sábado, 29 de abril de 2017

PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA. APOSENTADORIA HÍBRIDA. PROCEDÊNCIA.

PROC. 1399-38.2016.8.10.0038
AUTOR: JOÃO CARLOS VAZ COSTA
RÉU: INSS

SENTENÇA

Vistos, etc.

JOÃO CARLOS VAZ COSTA, já qualificado, intentou a presente ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pretendendo a concessão do benefício de Aposentadoria por idade na modalidade HIBRIDA OU MISTA, alegando que preencheu os requisitos legais previstos no art. 48, §3º da Lei nº 8213/91 com a redação dada pela Lei nº 11.718/2008, quais sejam: tempo de trabalho urbano c/c tempo de trabalho rural e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos.

Justifica que seu requerimento apresentado em 06/10/2015, junto ao referido órgão, foi negado administrativamente.

Requereu a antecipação de tutela.

Juntou a Procuração às fls. 13 e Prova Documental de fls. 14-40.
Às fls. 41 este juízo determinou a emenda da inicial o que foi feito às fls. 42.

Às fls. 43, este juízo dispensou a audiência de conciliação e determinou a citação do INSS.
Contestação do INSS às fls. 44-48, peça na qual o órgão justifica que a parte autora não comprovou a qualidade de trabalhador rural no período imediatamente anterior ao requerimento, na forma do Art.142 da Lei 8.213/91, haja vista não ter apresentado documentos contemporâneos ao lapso exigido; sustentou, ainda, que não estão presentes os requisitos para a concessão da aposentadoria híbrida, pois o autor – que não é trabalhador rural – pretende utilizar períodos não contributivos para fins de carência. Requereu o INDEFERIMENTO e a improcedência da ação.

A audiência de instrução realizada nesta data com a oitiva de duas testemunhas, sendo registrada a ausência do INSS.

É o relatório. Decido.

O requerimento administrativo apresentado pela parte autora deu-se em 06 de outubro de 2015, conforme comunicado de fls. 17.

Por outro lado, percebo que o benefício almejado pelo autor é a aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3º da Lei nº 8213/91, in verbis:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.       (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 2o  Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período  a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.      (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 3o  Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.      (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

A aposentadoria híbrida é uma nova espécie de aposentadoria por idade ao trabalhador rural que não tiver como comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao cumprimento da idade mínima ou ao requerimento de aposentadoria.

Por tal modalidade ficou permitido aos trabalhadores rurais somar o seu tempo rural e urbano para o cumprimento da carência, entretanto, o requisito etário equiparou-se ao do trabalhador urbano, qual seja: 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher.

Portanto, os requisitos do benefício da aposentadoria hibrida são: carência de 180 meses e idade mínima de 65 anos.

Consigne-se que o STJ, ao referendar o direito da aposentadoria híbrida em favor dos trabalhadores rurais, assentou que é permitido ao segurado mesclar o período urbano ao período rural e vice-versa, para implementar a carência mínima necessária e obter o benefício etário híbrido (RESP 1367479/RS, 2ª TURMA, RELATOR MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 10.09.2014).

Quanto ao requisito da idade, o mesmo restou incontroverso nos autos e comprova que na data do requerimento administrativo o autor contava com mais de 65 anos de idade (fls. 15 e 17).

Quanto ao período de carência do benefício, observo que o período de trabalhador urbano também restou incontroverso nos autos já que o CNIS do autor, anexado pelo próprio INSS (fls. 26-31) faz prova de que o mesmo contribuiu para o INSS na condição de empregado e também como contribuinte individual por um período descontínuo de 09 (anos), 10 (dez) meses e 29 (vinte e nove) dias, ou seja, 118 meses e 29 dias.

Merece destaque que o autor não registrou vínculos empregatícios entre o período de 11.02.2001 a 31.12.2014.

Quanto ao período de trabalhador rural, a Jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores aponta o dever da parte representar pelo menos o início de prova documental contemporânea que alicerce a prova testemunhal, de modo a demonstrar o cumprimento do período de carência para a aposentadoria Rural ou a qualidade de segurado no referido período para a aposentadoria híbrida. A súmula 149 do STJ dispõe a respeito, podendo ser apontados como precedentes: STJ, RESP 72611/SP, RESP 228.000/RN, RESP 62.802/SP.

Nesta linha de raciocínio, ressalto a importância probatória do seguintes documentos Comprovante de residência na Zona Rural de João Lisboa (fs. 14), Certidão da Justiça Eleitoral datada de 2010, indicando a profissão de TRABALHADOR RURAL (FLS. 18), Concessão de Crédito PRONAF no ano de 2012 e 2013 (fls. 19-21), Cópia da carteira do STTR de João Lisboa com data de admissão do ano de 2010 (fls. 22), Cópia da Carteira da Associação dos pequenos trabalhadores Rurais do Povoado São Domingos datada de 2005 (fls. 24).

A prova testemunhal corrobora a convincente prova documental, restando demonstrado que a parte autora trabalha na cultura de subsistência, em período que remota pelo menos 10 anos atrás, ou seja, o ano de 2006, como referido no depoimento pessoal e pelas testemunha FRANCISCO DOS SANTOS CARVALHO.

A decisão administrativa, portanto, merece ser revertida. De acordo com os fundamentos expostos, a parte demonstrou satisfatoriamente a condição de segurado especial, no mínimo no período de 2006 até a presente data, motivo pelo qual reconheço e declaro o seu período de lavrador pelo prazo de 120 meses, qual seja, de dezembro de 2006 a dezembro de 2016.

Portanto, restaram devidamente preenchidos os requisitos para a concessão do benefício de APOSENTADORIA HÍBRIDA pleiteado pelo autor: CARÊNCIA SUPERIOR A 180 MESES, SENDO 118 MESES E 29 DIAS COMO TRABALHADOR URBANO e 120 MESES COMO TRABALHADOR RURAL E IDADE SUPERIOR A 65 ANOS NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, pelo que, nos termos dos Artigos 48, §3º da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 11.718/2008, faz jus a concessão de benefício de aposentadoria por idade, cujo valor do SALÁRIO DE BENEFÍCIO deve levar em consideração os maiores salários de contribuição do segurado equivalentes a 80% do total do período contributivo de julho de 1994 em diante, nos termos do art. 29, II da Lei nº 8213/91.

DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO, JULGO o processo com a resolução do mérito, a teor do Artigo 387, inciso I, do CPC, e acolhendo pedido formulado pela parte autora, determino ao INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS a imediata implementação do Benefício Previdenciário nº 174.649.803-7, que tem como beneficiário JOÃO CARLOS VAZ COSTA, condenando-o, ainda, ao pagamento de todas as parcelas vencidas desde 06 DE OUTUBRO DE 2015, acrescidas de juros de 0,5% a.m. e correção monetária pelo INPC. Sem custas. Honorários em 15%, sobre o valor da condenação, incluídas apenas as parcelas vencidas (súmula 111/STJ).

Inaplicável o reexame necessário, a teor do parágrafo 3º do Art.496 do CPC.

Quanto ao pedido da Tutela Antecipada, entendo viável o seu deferimento na oportunidade da sentença do mérito, vez que a verossimilhança da alegação está evidenciada com o acolhimento da pretensão, sendo notório o receio de dano irreparável á autora, vez que o objeto da antecipação é prestação de natureza alimentar, restando possível  a aplicação do efeito suspensivo a decisão do mérito, com o recurso da parte requerida. Desta forma concedo a antecipação de tutela pretendida, determinando que o INSS implemente desde logo o benefício Previdenciário referido na fundamentação, no prazo de 30 dias a contar da intimação da sentença, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), independente de uma pretensão recursal.

P.R.I.

João Lisboa/MA, 19 de abril de 2017.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara de João Lisboa





segunda-feira, 3 de abril de 2017

SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CULPA NÃO DEMONSTRADA. IMPROCEDÊNCIA



PROC. 1090-22.2013.8.10.0038
Autor: MARIA LOZA DA ANUNCIAÇÃO SILVA
RÉUS: DELSON CASTELO BRANCO ROCHA e HOSPITAL SANTA MARIA

SENTENÇA


                        Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta por MARIA LOZA DA ANUNCIAÇÃO SILVA contra o DELSON CASTELO BRANCO ROCHA e HOSPITAL SANTA MARIA tendo em vista que em abril de 2012 a autora foi internada no HOSPITAL SANTA MARIA para se submeter à cirurgia tiroidiana executada e comandada pelo primeiro requerido. Porém, teria ficado constatado que o 1º requerido havia lesionado parte das cordas vocais da paciente durante a cirurgia de tireóide e feito um corte muito profundo, praticamente cortando totalmente a traquéia, ao realizar a traqueotomia.

                        Afirma a autora que, em face da imperícia do profissional, nunca mais voltará a falar novamente e por a traqueotomia ter sido mal executada, esta provavelmente não fechará. Afirma que sofre com dores de garganta e problemas respiratórios, quase não consegue falar, está afastada de suas atividades e utiliza-se de um aparelho instalado na sua garganta para que possa respirar, motivo pelo qual requer indenização por danos morais, materiais e estéticos, no valor de R$ 500.000,00.

                        Juntou documentos de fls. 21-36.
                        Às fls. 37 determinou-se a citação dos requeridos e deferiu-se os benefícios da justiça gratuita.
                        Às fls. 40-53, o Hospital Santa Maria Ltda ofereceu contestação onde alegou em preliminar sua ilegitimidade passiva, pois o médico não possui vínculo empregatício com o Hospital que é uma instituição de corpo clínico aberto; no mérito, afirma que não há responsabilidade objetiva nesses casos; que a autora não imputa qualquer ato ilícito ao hospital; que não há prova do erro médico; que a responsabilidade do médico é subjetiva e não objetiva nos termos do art. 14, § 4º do CDC; que se trata de uma obrigação de meio e não de resultado; que a cirurgia era necessária tendo em vista que a autora era portadora de câncer de tireoide recidivado; que não se pode presumir que os defeitos da fala da autora tenham resultado de alguma impropriedade na conduta do médico; que a autora não especificou quais os danos materiais que eventualmente sofreu; finaliza requerendo a improcedência da ação.

                        Às fls. 63-80, o primeiro requerido apresentou contestação oportunidade em que alegou que exerce a medicina há cinquenta anos e possui especialização em cirurgia de cabeça e pescoço, além de inúmeros cursos de atualização que demonstram a sua qualificação técnica, inclusive já tendo executado mais de 4 mil cirurgias de tireoidectomias; que a autora procurou o médico em abril de 2012 quando portava um câncer de tireoide recidivado, ou seja, naquele momento já havia sido operada anteriormente por outro médico em outro hospital e já apresentada déficts de voz e respiração; que a paralisia vocal pós cirúrgica alegada é uma complicação possível em casos de tireoidectomia; que não existe nenhuma base legal que possa levar a presunção de que as sequelas apresentadas pela paciente tenham decorrido de alguma falha na conduta do médico; que a cirurgia curou o câncer da autora; que a responsabilidade do médico é subjetiva e que não há prova do dano material. Finaliza requerendo a improcedência da ação.

                        Às fls. 112, a autora apresentou réplica oportunidade em que reafirmou os fatos constantes da inicial.

                        Às fls. 119, foi designada audiência preliminar.
Às fls. 126, a audiência restou inexitosa, motivo pelo qual foram fixados os pontos controvertidos e determinada a realização de perícia.
Às fls. 128-129, a autora apresenta quesitos.
Às fls. 130-131, os réus apresentaram quesitos.
Às fls. 139-155 foi juntado aos autos o prontuário médico da autora.
Às fls. 157-163, o INSS junta aos autos cópia do CNIS do primeiro requerido onde não consta vínculo empregatício do mesmo com o HOSPITAL SANTA MARIA LTDA.
ÀS FLS. 178-179, a Receita Federal informa a lista de empregados do Hospital Santa Maria onde não consta relação empregatícia entre os réus, conforme certidão de fls. 181.
Às fls. 183 e 183-v,foi acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva do HOSPITAL SANTA MARIA LDA o qual foi excluído do pólo passivo da presente ação.
Às fls. 188, foi nomeada a perita médica.
Às fls. 199-207, a perita apresentou laudo pericial, porém, informou que não teve acesso aos autos e ao prontuário da paciente.
Às fls. 208, determinou-se a intimação das partes para manifestação acerca do laudo pericial.
Às fls. 212 a 217, o requerido apresentou manifestação requerendo realização de perícia complementar tendo em vista que a perita não teve acesso aos laudo e ao prontuário médico da paciente.
Às fls. 218, este juízo deferiu o pleito e determinou que a perita responda aos quesitos complementares do réu e aos quesitos do autor.
Às fls. 224-228, a perita apresentou novo laudo pericial, onde concluiu que não há indícios de erro médico “por se tratar de complicação bem documentada na literatura médica, principalmente quando se trata de reoperações.”
As partes foram intimadas para manifestarem-se acerca do laudo complementar às fls. 230.
Às fls. 233, o requerido DELSON ROCHA afirma que o laudo corrobora sua tese de que inexiste indício de erro médico ou de qualquer falha quanto à prestação dos serviços hospitalares.
Às fls. 241, determinou-se a intimação das partes para apresentação de alegações finais.
Às fls. 248, tal despacho fora desconstituído para determinar a expedição de carta precatória para Comarca de Teresina para o depoimento pessoal do autor.
Às fls. 272-275 foi anexada a mídia com o depoimento pessoal do réu.
Às fls. 281 realizou-se audiência de continuação onde as partes declararam não possuir outras provas a produzirem em audiência, motivo pelo qual foram intimadas para as alegações finais.
Às fls. 283-291, a parte autora apresentou alegações finais, porém intempestivas conforme certidão de fls. 292.
Às fls. 292-v, este juízo determinou o desentranhamento das alegações finais por intempestivas.
O requerido não apresentou alegações finais.
Vieram os autos conclusos.

                        É o relatório. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

DAS PRELIMINARES

Todas as preliminares já foram analisadas durante o saneamento do feito.

MÉRITO:

O direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.

Reza o art. 927 do Código Civil:

"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Definem os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:
"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (grifo nosso).”

Por conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral.

O dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (grifo nosso).


RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PROFISSIONAL LIBERAL

A regra geral é a responsabilidade objetiva dos fornecedores em geral relativamente aos defeitos relacionados ao fato do produto ou do serviço (art. 12 e 14 do CDC):

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

                                      Essa regra, porém, é excepcionada relativamente ao fato do serviço quando o fornecedor é um profissional liberal, pois nesse caso a responsabilidade é subjetiva a teor do disposto no art. 14, §4º do CDC:

§ 4o A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Nesse caso, portanto, a responsabilidade será apurada mediante a verificação de culpa, ou seja, constatando imperícia, imprudência ou negligência.
Conforme a doutrina, essa diversidade de tratamento se justifica em razão dos serviços contratados com a natureza intuitu personae, ou seja, com base na confiança que os profissionais inspiram em seus clientes:

“(...) é geralmente autônomo, exercendo sua atividade por livre opção e havendo faculdade na sua escolha pelo cliente. Para que o profissional seja considerado liberal, não deve exercer sua atividade mediante vínculo empregatício, com subordinação hirarquica. Não são profissionais liberais as empresas ou pessoas jurídicas em geral, ainda que explorem atividade de procuração judicial, medicina, engenharia etc., como hospitais, casas de saúde, empreiteiras, construtoras, escolas, etc. A relação de consumo é celebrada com profissional liberal, para efeitos do CDC, art. 14, §4º, se o for intuitu personae.(...) (NERY JR, Nelson. CPC Comentado. 4ª Ed. São Paulo: RT, 1999, p. 1812)

                                      Portanto, o que o legislador fez foi excepcionar a regra da responsabilidade objetiva, imputando aos profissionais liberais a responsabilidade subjetiva, caracterizando assim uma obrigação de meio que é aquela em que o profissional se obriga a empenhar todos os esforços possíveis para a prestação de determinado serviço, não existindo nenhum compromisso com a obtenção de qualquer resultado específico.
Já a obrigação de resultado é aquela em que o profissional garante a consecução de um resultado específico.

                                      Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

CIVIL. CIRURGIA. SEQÜELAS. REPARAÇÃO DE DANOS. INDENIZAÇÃO. CULPA.PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado. 2 - Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura decorrentes da ação do médico, imprescindível se apresenta a demonstração de culpa do profissional, sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva. 3 - Inteligência dos arts. 159 e 1545 do Código Civil de 1916 e doart. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor. 4 - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença. (STJ - REsp: 196306 SP 1998/0087588-3, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 03/08/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 16/08/2004 p. 261)

A responsabilidade civil do profissional liberal, portanto, não elimina de seu conceito o elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes e a culpa do profissional liberal.

PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Para a configuração da responsabilidade civil do Estado, necessário se faz a demonstração da presença dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissão, o evento danoso e nexo de causalidade. Deve ainda inexistir qualquer causa excludente da responsabilidade civil.

CONDUTA

A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter como elemento essencial uma conduta.
Maria Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".
Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.
No presente caso, encerrada a instrução processual, a autora conseguiu demonstrar que foi submetida a pelo menos duas cirurgias feitas pelo requerido: TIREOIDECTOMIA TOTAL EM 16.04.2012 E TRAQUEOSTOMIA.

EVENTO DANOSO

O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano autorizado pelo direito.
O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade (ex.: honra, imagem etc.).
No presente caso os danos morais alegados pela autora são lesão nas cordas vocais e corte muito profundo para a realização da traqueostomia de forma que passou a ter dificuldades de falar normalmente e foi obrigada a usar um aparelho na garganta para respirar.
Quanto aos danos materiais, observo que os mesmos foram apenas alegados e não provados e assim, tenho-os como não demonstrados.

NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942 do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram para o resultado danoso.
Porém, diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas teorias a respeito:
a) TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON: estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.
b) TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.
A análise das provas colacionadas aos autos me conduzem a conclusão de que a lesão às cordas vocais da autora derivaram da cirurgia realizada pelo requerido, fato que inclusive restou incontroverso nos autos e provado pela resposta ao quesito “G” do laudo pericial de fls. 203.

CULPA

Não basta apenas a imputabilidade do agente para gerar o ato ilícito, necessário se faz que tenha agido com culpa. Sua conduta deve ser reprovável, sendo este o segundo pressuposto.
Entende-se por culpa em sentido estrito a situação em que o agente não queria o resultado, mas este ocorre pela falta de diligência na observância da lei ou norma de conduta. Não tinha o objetivo, mas este era previsível. É a omissão da diligência exigível do agente.
A culpa ocorre pela violação de um dever jurídico por negligência, imprudência ou imperícia, podendo consistir numa ação ou numa omissão.
A negligência se relaciona com a desídia, ou seja, a falta de cuidado por conduta omissiva. A imprudência está ligada à temeridade, ou seja, é o atrevimento no agir, faltando a cautela por conduta comissiva. A imperícia é decorrente da falta de habilidade no exercício de atividade técnica.

No presente caso, o laudo pericial é categórico ao afirmar que “não há indícios de erro médico” (fls. 228), pois a lesão ao nervo laríngeo recorrente decorrente de uma cirurgia de tireoidectomia total é uma complicação “bem documentada na literatura médica, principalmente quando se trata de reoperações”(fls. 228) como é o caso dos autos onde a paciente apresentou reincidência de câncer no local.
Acresce a perita que “quando a lesão do nervo laríngeo recorrente ou inferior é bilateral pode-se dizer que houve imperícia, mas as lesões unilaterais podem ocorrer, com uma incidência muito baixa” (laudo pericial, fls. 201).
Assim, havendo demonstração nos autos da necessidade da cirurgia para salvar a vida da paciente e que a lesão unilateral do nervo laríngeo é uma complicação previsível, indesejada, mas aceitável, não se pode imputar à conduta do requerido a culpa enquanto  elemento subjetivo indispensável para a caracterização da responsabilidade civil.
Portanto, não estando devidamente demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do profissional liberal, o caso é de improcedência da ação.

DO DISPOSITIVO.

Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente demanda.
Condeno a autora em custas, despesas e honorários periciais e advocatícios, estes no valor de R$ 5.000,00, a teor do disposto no art. 85, §4º do CPC, porém suspendo a exigibilidade do pagamento tendo em vista que a autora é beneficiária da gratuidade judiciária.
P. R. I.

João Lisboa/MA, 03 de abril de 2017.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa