quarta-feira, 13 de julho de 2016

SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA FERROVIA. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. PROCEDENCIA.

PROC. 567-44.2012.8.10.0038
SENTENÇA
1- RELATÓRIO.

DANTE ANDRADE LEÃO E EVA MARIA ANDRADE LEÃO, já qualificados, através de advogado constituído, ajuizou a presente AÇÃO DE RESPONSABIIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, em face da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S/A, pelos fatos e fundamentos expendidos a seguir.
Que os requerentes são genitores de DANTE ANDRADE LEÃO JUNIOR, nascido em 30.05.1975, tendo sido privados do convívio com o seu filho em 06.08.2011, por volta das 05:00h, quando o mesmo faleceu vitima de acidente ferroviário tendo em vista que fora colhido e teve o corpo esmagado por uma composição de trens da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), quando atravessava a ferrovia Norte-SUL, na Estrada do Cacau, no Bairro Norte-SUL, neste município..
Pleiteiam indenização por danos morais e fixação de pensão por danos materiais.
Juntou documentos de fls. 18-53, entre os quais as fotos do corpo da vítima.
Às fls. 55 foi deferido o pedido de gratuidade da Justiça e determinada a citação do requerido.
Às fls. 61-81, o requerido apresentou contestação oportunidade em que sustentou preliminar de ilegitimidade ativa dos autores; no mérito, sustentou que não se aplica a teoria da responsabilidade objetiva prevista na Lei nº 2681/1912 aos acidentes ferroviários envolvendo terceiros não passageiros; que tal lei estipula a culpa presumida em casos envolvendo transporte de cargas e passageiros; que a malha viária do local do acidente possui inúmeros dispositivos de segurança, tais como: sistema de monitoramento e controle de trafego, rastreamento via GPS, altura de lastro do trilho em relação ao solo,  e programas sociais de prevenção e educação da população que reside nas proximidades da ferrovia; que inexiste qualquer omissão da concessionária; que inexiste ato ou omissão ilícitos imputáveis ao requerido ou a seus prepostos; que houve rompimento do nexo causal em decorrência de culpa exclusiva da vítima que estava embriagada e deitou-se no trilho permanecendo no local até o momento da passagem do trem; que tal comportamento inadequado da vítima revela que ela assumiu o risco do resultado e deu causa ao acidente; que o maquinista do trem adotou todas as providencias de segurança buzinando por três vezes consecutivas, acionando os faróis e os freis de emergência; que a concessionária não tem o dever de cercar o leito da linha férrea; que o local do acidente era desabitado e ermo; que não há prova do dano material  alegado, pois não há prova de que a vítima exercesse uma atividade remunerada e não há prova de que os autores dependia economicamente da vítima; que em caso de condenação o valor deve ser moderado e não exagerado;  que em caso de procedência o valor da indenização deve ser limitar a 1/3 do salário mínimo até a data em que a vítima completasse 65 anos de idade. Finaliza requerendo a improcedência da ação.
Às fls. 93-98, os autores apresentaram réplica, oportunidade em que reiteraram os termos da inicial.
Às fls. 99, determinou-se a realização de audiência preliminar.
Às 112, em audiência não houve acordo, tendo este juízo saneado o feito, afastando a preliminar e fixado os pontos controvertidos tendo deferido as provas requeridas na inicial e na resposta. Determinou-se, ainda, que fosse oficiado a delegacia local para que informasse acerca da abertura de eventual IP para apurar o fato.
Às fls. 118, o delegado informa que não houve investigação policial acerca do fato.
Às fls. 119, foi designada audiência de instrução a qual se realizou às fls. 124-129, oportunidade em que foram ouvidas 4 testemunhas e tomou-se por termo o depoimento pessoal da autora.
Às fls. 124, requisitou-se informações do município de João Lisboa acerca da identificação do local do atropelamento como sendo Zona Urbana ou Rural de acordo com o Plano Diretor do Município.
Às fls. 143-163, o município informa que o local do acidente deu-se em Zona Urbana.
Às fls. 181-186, o autor apresentou alegações finais, oportunidade em que reafirmou os termos da inicial e da réplica.
Às fls. 167-178, o requerido apresentou alegações finais, oportunidade em que reafirmou os termos da contestação.
Vieram os autos conclusos para sentença.

Eis o breve relato dos fatos. Passo a decidir.

2 - DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

2.1. DAS PRELIMINARES
Todas as preliminares já foram analisadas e afastadas no despacho saneador de fls.112-113.

2.2. MÉRITO
O direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.

Reza o art. 927 do Código Civil:

"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Definem os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:
"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (grifo nosso).

Por conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral.

O dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (grifo nosso).


RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU TEORIA DO RISCO

A regra geral é a responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa legislação, com finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em determinados casos a responsabilidade objetiva. É o caso da responsabilidade civil do Estado e de suas concessionárias de serviços públicos, conforme previsão do art. 37, §6º da CF e art. 43 do CC.
                                      Eis a redação dos dispositivos citados:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6o As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causaram a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

A responsabilidade civil objetiva, portanto, elimina de seu conceito o elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.

PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

                                      Para a configuração da responsabilidade civil do Estado e das concessionárias de serviço público, necessário se faz a demonstração da presença dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissão, o evento danoso e nexo de causalidade. Deve ainda inexistir qualquer causa excludente da responsabilidade civil.

CONDUTA

A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter como elemento essencial uma conduta.
Maria Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".
Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.

No presente caso, restou devidamente demonstrada a conduta danosa da concessionária-ré na medida em que conforme o depoimento das testemunhas o acidente ocorreu em área urbana populosa do município de João Lisboa, a poucos metros do bairro Norte-Sul, não tendo a ré providenciado a construção de muros ou cercas nessa área para evitar o transito de pessoas:
“(...)Que era o maquinista do trem que vitimou a vitima; (...) Que já teve conhecimento de quatro ou cinco acidentes com vitimas fatais na estrada de ferro, mas desconhece outros nas proximidades do local onde se encontrava a vitima; Que depois desse acidente já aconteceu outro; (...); Que a ferrovia norte sul possui cercas que impedem a passagem de transeuntes nas áreas urbanas de Porto Franco e Estreito; Que o depoente percebe que quando passa nas proximidades do local do acidente que existe um bairro próximo; Que esse bairro é bem próximo da ferrovia de trezentos e quinhentos metros; Que mesmo após o acionamento do freio de emergência só é possível parar a locomotiva após 800 ou 1000 metros (...) Que reafirma que aproximadamente trezentos e quinhentos metros do local existem uma casas que parecem ser um bairro; (...) Que nas proximidades do local do acidente existem placas de sinalização da ferrovia, mas não cercas; Que mesmo hoje inexiste qualquer cerca no local do acidente. (DEPOIMENTO DE ANTONIO DE ARAÚJO TEIXEIRA, FLS. 126)

É evidente que a conduta do requerido foi uma causa determinante – mas não a única - do acidente que vitimou o filho dos autores, uma vez que colaborou diretamente para facilitar o acesso da vítima aos trilhos, fato que não teria ocorrido caso tivesse cercado ou murado o local em toda a área urbana deste município, tal como fez nos municípios de Estreito e Porto Franco, conforme informa o próprio maquinista no depoimento acima.

EVENTO DANOSO

O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano autorizado pelo direito.
O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade (ex.: honra, imagem etc.).
O dano resta devidamente configurado através do atestado de óbito e laudo de necropsia de fls. 25-26, onde consta como causa mortis TRAUMA CRANIO ENCEFÁLICO, ACIDENTE DE TRANSITO.

NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942 do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram para o resultado danoso.
Porém, diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas teorias a respeito:
a) TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON: estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.
b) TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.
A análise das provas colacionadas aos autos nos leva à conclusão de que de fato o evento morte decorreu diretamente da omissão da concessionária em seu dever de cuidado e proteção diante da atividade perigosa que exerce.
 É obrigação da empresa ferroviária fiscalizar a linha férrea, a fim de obstar a travessia de pedestres, principalmente em se tratando de área urbana, com ocupação populacional elevada, conforme faz prova o ofício de fls. 134, emanado do município de João Lisboa/MA. E esse dever não foi observado na espécie.
É certo que não seria possível exigir da empresa ferroviária a construção de muro ao longo de toda a extensão da linha, mas essa providência é indispensável ao menos nos locais com maior fluxo de pedestres, justamente para evitar lamentáveis infortúnios como o versado nos autos. Caberia a ela obstar a passagem clandestina dos pedestres, o que não fez até a presente data. Assim, inafastável é o reconhecimento da culpa da ré pelo acidente que vitimou fatalmente o filho dos autores.
Contudo, se por um lado é evidente a culpa da requerida, por outro não há como deixar de reconhecer que a vítima concorreu para o infeliz acontecimento.
Conforme também mencionado pelas testemunhas, o atropelamento ocorreu entre duas passagens de nível destinada à travessia da linha por pedestres. Ademais, as testemunhas JEFFERSON SANTOS LIMA informa que a vítima ingeriu bebida alcoólica entre as 18h do dia anterior até as 02h do dia do acidente que teria ocorrido por volta das 5h. Já a testemunha JOSE ABDON OLIVEIRA MARINHO informa que fez um adiantamento em dinheiro para a vítima na véspera do acidente. Por sua vez o maquinista informa que avistou o corpo da vítima deitado na ferrovia, buzinou por várias vezes, acionou o jogo de luz e o freio de emergência, mas a vítima permaneceu inerte:
“Que trabalha na segurança institucional da ferrovia norte sul; Que no dia dos fatos foi acionado pela madruga acerca do acidente envolvendo a vitima, tendo noticiado o caso a policia militar e ao IML; (...) Que  após esses procedimentos o depoente como de praxe deve investigar as 48 horas antecedentes ao acidente; Que diante disso passou a ouvir o patrão da vitima que afirmou que havia feito um adiantamento para a mesma; Que em seguida dirigiu-se até um bar nas proximidades do serviço da vitima chamado drinks bar, tendo conversado com o proprietário do estabelecimento o senhor Magno tendo este informado que a vitima passou a noite ingerindo bebida alcoólica em seu bar tendo chegado ao local no inicio da noite por volta das dezoito horas e se retirado do local por volta das duas da madrugada quando o Magno resolveu fechar o estabelecimento; Que magno informou que a vitima ainda tentou chamar um mototaxi mas não conseguiu motivo pelo qual saiu do local a pés e em visível estado de embriagues alcoólico; Que posteriormente o corpo da vitima foi encontrado na ferrovia. (...) (DEPOIMENTO DE JEFERSON SANTOS LIMA, FLS. 125).
Tal depoimento, em que pese tratar de um preposto da requerida está com consonância com o depoimento do patrão da vítima que afirma que fez um adiantamento de aproximadamente R$ 220,00 reais, porém, somente foi encontrado R$ 12,00 no bolso da vítima, além de ter confirmado a existência do bar do Magno, chamado Drink’s bar, próximo do local de trabalho da vítima:
(...)Que o depoente é proprietário de uma pequena fabrica de pré moldados, situada no centro de João Lisboa; Que a vitima trabalha como auxiliar de serviços gerais para o depoente e percebia uma renda de duzentos e poucos reais por semana,  por produção, que dava oitocentos reais por mês aproximadamente; Que no dia anterior ao acidente a vitima trabalhou com o depoente até as dezessete horas; (...) Que a vitima morava na casa da mãe e do pai; Que o depoente não sabe dizer se a vitima tinha mulher ou filhos; Que pelo contato que tinha com a vitima sabe que o mesmo utilizava parte do salário para sustentar os pais; Que não sabe dizer se os pais da vitima possuem renda; (...) Que na Avenida Simplicio Moreira no centro de João Lisboa, local onde a vitima trabalhava, também existe um bar de propriedade de seu Magno, chamado Drinks bar; Que não sabe se a vitima ingeriu bebida alcoólica ou se dirigiu para referido bar; Que nunca percebeu que a vitima tivesse qualquer problema de audição e de visão pois o mesmo sempre se relacionou normalmente com as pessoas; Que jamais percebeu qualquer mudança comportamental na vitima que indicasse que o mesmo pensava em suicídio; (...) Que a vitima recebeu o pagamento no seu ultimo dia de trabalho; Que pagou aproximadamente 220,00 reais para a vitima; (...) (DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA JOSE ABSON MARNHO, FLS. 128).

Em princípio, e até prova em contrário, o uso da passagem de nível proporciona maior segurança à travessia da via férrea. Nada recomendava às vítima deitar-se sobre os trilhos. Assim, é evidente que esses cuidados infelizmente o falecido não observou.

Nessa medida, deve ser reconhecida a concorrência de culpas das partes, na esteira de julgados a seguir:
“RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE EM FERROVIA -ATROPELAMENTO - PASSAGEM CLANDESTINA - EXISTÊNCIA DE PASSARELA EM ESTAÇÃO PRÓXIMA - CULPA CONCORRENTE -CONCESSIONÁRIA E VÍTIMA - Age com culpa concorrente a vítima que utiliza de passagem clandestina para atravessar a via férrea embora exista passarela para pedestres na estação próxima e também da concessionária de trens metropolitanos, quanto à negligência de conservação de cercas ao longo da ferrovia, especialmente não coibindo a invasão de pessoas em locais urbanos e populosos.” (Apel. nº 992.08.032168-1 (1.183.098/5-00) - Rel. Des. CLÓVIS CASTELO - J. 12/04/2010)
“RESPONSABILIDADE CIVIL - ATROPELAMENTO EM LINHA FÉRREA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CULPA CONCORRENTE CARACTERIZADA - PROCEDÊNCIA PARCIAL - [...] É civilmente responsável, por culpa concorrente, a concessionária do transporte ferroviário pelo atropelamento de pedestre por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora essa atividade cercar e fiscalizar, devidamente, a linha, de modo a impedir sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos [...]”. (Apel. nº 992.07.041146-7 (1.134.095/4-00) - Rel. Des. MENDES GOMES - J. 09/12/2009)
No mesmo sentido, julgados do E. STJ:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO AFETA AOTRANSPORTE FERROVIÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA. MORTE DE TRANSEUNTE. PASSAGEM CLANDESTINA. EXISTÊNCIA DE PASSAGEM DE NÍVEL PRÓXIMA. CONCORRÊNCIA DE CULPAS DA VÍTIMA E DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTE [...] II. Não obstante constitua ônus da empresa concessionária de transporte ferroviário a fiscalização de suas linhas em meios urbanos, a fim de evitar a irregular transposição da via por transeuntes, é de se reconhecer a concorrência de culpas quando a vítima, tendo a sua disposição passarela construída nas proximidades para oferecer percurso seguro, age com descaso e imprudência, optando por trilhar caminho perigoso, levando-o ao acidente fatal. Precedentes. [...].” (REsp nº 1.046.535/SP - 4ª Turma - Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR - J. 18/06/2009)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. CULPA CONCORRENTE. PRECEDENTES. Neste Superior Tribunal de Justiça, prevalece a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável, por culpa concorrente, a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto imcube à empresa que explora essa atividade cercar e fiscalizar, devidamente, a linha, de modo a impedir sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos. Embargos de divergência não conhecidos. (Resp 705.859/SP, Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção, julgado em 13.12.2006, DJ 08.03.2007).

Assim, impõe-se o reconhecimento, nos moldes do artigo 945 do Código Civil, segundo o qual “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

Reconhecida a culpa concorrente, ter-se-á atenuante na indenização, isto é, "poderá ser reduzida pela metade, se a culpa da vítima corresponder a uma parcela de 50%, como também poderá ser reduzida de 1/4, 2/5, dependendo de cada caso." (GONÇALVES, 2010, p.464).

Na hipótese, a concorrência de culpas deve ser estabelecida em 50%, tendo em conta a gravidade das culpas de ambas as partes envolvidas no acidente.


INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado será elidida quando presentes determinadas situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, quais sejam a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
A força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio, uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o Estado se torna incapacitado diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que, por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.
Já na hipótese de caso fortuito, o dano decorre de ato humano, gerador de resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por ser um acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.
O estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade. Ocorre quando há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder discricionário.
A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa excludente da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de causalidade, visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não concorreu.
No caso dos autos, em que pese não se reconheceu a culpa exclusiva da vitima, mas sim concorrente o que não elide a responsabilidade do réu por completo.

DOS DANOS MATERIAIS

                                      Quanto aos danos materiais pleiteados, consistentes no arbitramento de pensão mensal aos requerentes, em função da contribuição do filho como arrimo da família, o que caracteriza os lucros cessantes considerando que o filho do casal veio a falecer em decorrência da omissão da concessionária relativamente ao seu dever de cuidado para evitar acidentes em área urbana – não podendo ser desconsiderada a imprudência da vítima em deitar-se sobre os trilhos no momento do acidente - o que impossibilitou os autores de receber auxilio material por parte do mesmo e o nexo causal na medida em que o lucro cessante decorreu da conduta da ré.
                                      Segundo a jurisprudência do STJ, em casos como o dos autos, a pensão tem sido estipulada no percentual de 2/3 do salário mínimo vigente até os vinte e cinco anos, quando o valor será reduzido para 1/3 do salário mínimo até a data em que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos ou a morte de ambos os autores, o que ocorrer primeiro:
STJ-225413) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.
1. Ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada em desfavor de Município, com fulcro no artigo 37, § 6º da CF, em face do atropelamento de filho, que ocasionou sua morte, por negligência de funcionário público causador do acidente.
2. É inadmissível o recurso especial manejado pela alínea "c" do permissivo constitucional quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ).
3. Inequívoca a responsabilidade estatal, consoante a legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) e à luz do art. 37, § 6º da CF/1988, bem como escorreita a imputação dos danos morais, nos termos assentados pela Corte de origem, verbis: "(...) Da análise dos autos, constata-se que o fato gerador preponderante para queda da vítima de sua bicicleta e posterior atropelamento que lhe causou a morte foi a caixa de papelão arremessada pelo funcionário do segundo apelante em direção à caçamba do caminhão de lixo, que acertou a vítima, fazendo com que esta caísse debaixo do caminhão e fosse atropelada. (...) Tal fato se constata pela prova testemunhal produzida, bem como pelas fotografias tiradas no local logo após o acidente, as quais, diga-se de passagem, não deixam dúvidas, pois nelas se verifica a caixa de papelão em cima da criança, f. 32/38, demonstrando claramente a imprudência e falta de preparo do funcionário do segundo apelante em arremessar o lixo quando o caminhão passava ao lado de uma criança andando de bicicleta, acreditando que a caixa passaria por cima desta sem acertá-la, o que infelizmente não ocorreu. A conduta do funcionário do apelante, se levarmos para o campo penal, se enquadra perfeitamente dentro do conceito de culpa consciente, que é aquela onde o agente prevê a possibilidade de produção do resultado, embora não a aceite, por acreditar que sua habilidade pessoal não permitirá a ocorrência deste. (...)"
4. A pensão mensal a ser paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à razão de 2/3 do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir daí, à base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade. Precedentes: REsp 674586/SC Relator Ministro Luiz Fux, DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ, DJ 06.08.2007; REsp 703.878/SP, DJ 12.09.2005.
5. A análise acerca da culpabilidade do menor no acidente e do critério adotado pela instância a quo para a fixação do quantum indenizatório resta obstada pelo Verbete Sumular nº 7/STJ.
6. Recurso especial não conhecido.
(Recurso Especial nº 970673/MG (2007/0158956-2), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j. 09.09.2008, unânime, DJe 01.10.2008).



TJMA-012490) PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE FALECIMENTO DE FILHA MENOR, ESTUDANTE DA REDE PÚBLICA ESTADUAL, DURANTE A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRACLASSE. AFOGAMENTO. DEVER DE VIGILÂNCIA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. ENTENDIMENTO DO STF. PENSÃO MENSAL. OBSERVÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Nos termos do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal, para que a Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela vítima, sendo possível o afastamento da responsabilidade estatal apenas na hipótese de comprovação da ocorrência de excludentes do nexo - culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.
II - O Supremo Tribunal Federal consagrou diretriz decisória no sentido de que a responsabilidade advinda do dever de vigilância ou guarda pode ser objetivamente imputado ao aparato estatal (RE 109.615/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. em 28.05.96, DJ de 02.08.96, p. 25.785).
III - No caso concreto, restou comprovada a responsabilidade objetiva da Administração Pública, uma vez que a morte por afogamento da filha da apelada, aluna da rede pública de ensino, decorreu da inobservância do dever constitucional de guarda e vigilância do apelante, durante atividade extraclasse realizada pela vítima, sob coordenação e orientação de servidores públicos lotados na unidade de ensino onde estudava.
IV - O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família, em decorrência da morte de filho menor, proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima, no valor de dois terços do salário mínimo, desde os quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, até a data em que a vítima atingiria a idade de 65 anos. Entende o STJ, ainda, que a pensão deve ser reduzida para um terço após a data em que o filho completaria 25 anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo (REsp 976.059/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 04.06.09, DJe de 23.06.09; REsp 1.101.123/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 02.04.09, DJe de 27.04.09).
V - Recurso parcialmente provido.
(Apelação Cível nº 84.362/2009 (13.982/2009), 2ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Marcelo Carvalho Silva. j. 25.08.2009, unânime, DJe 02.09.2009).
                                      No caso dos autos a vítima faleceu aos 36 anos de idade, conforme certidões de nascimento e óbito de fls. 26-27.
Portanto, devidamente demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, ausente qualquer causa de rompimento do nexo causal, o caso é de procedência da ação.

3- DO DISPOSITIVO.

Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda para condenar a COMPANHIA VALE DO RIO DOCE ao pagamento de indenização por DANOS MATERIAIS, consistente em lucros cessantes PRO RATA, aos autores DANTE ANDRADE LEÃO e EVA MARIA DE ANDRADE, já qualificados no valor de 1/6 do salário mínimo  - considerando o decote de 50% derivado da culpa concorrente da vítima - a contar da data do evento danoso até o dia em que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos, ou o falecimento de ambos os autores, devendo a requerida incluir os autores em folha de pagamento, a teor do que dispõe o art. 533, §2º do CPC.
Condeno ainda o requerido no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de DANOS MORAIS – já decotado percentual de 50% em decorrência da culpa concorrente da vítima -  pela morte da vítima DANTE ANDRADE LEÃO JUNIOR, a ser pago aos autores DANTE ANDRADE LEÃO e EVA MARIA DE ANDRADE, já qualificados, cabendo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a cada um. Sobre o valor da condenação incidirá juros moratórios no percentual de 1% a.m. a contar da data do evento danoso (06.08.2011) (SUMULA Nº 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da data da sentença.(SÚMULA Nº 362 do STJ).
Condeno o requerido em custas e despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 15% (quinze por cento) do valor da condenação a teor do que dispõe o art. 85, §2º do CPC.
P. R. I.

João Lisboa/MA, 13 de julho de 2016.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa