segunda-feira, 13 de julho de 2015

SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE EX-PREFEITO E FRAUDE À LICITAÇÃO.

Proc. 352-73.2009.8.10.0038
AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação penal por crime de responsabilidade e fraude à licitação contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2002 as seguintes condutas típicas:
1. Ausência de processo licitatório e fragmentação indevida de despesas;
2. Aplicação de percentual a menor da educação;
3. Aplicação de percentual a menor da Saúde;
4. Ausência de lei autorizando ou decreto fixando o valor para o pagamento de diárias.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8596/2003) e Relatório de Informação Técnica nº 200/2004 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2002 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 250/2005 pela desaprovação, sendo-lhe, ainda, através do ACORDÃO PL-TCE Nº 612/2005, imputado débito no valor de R$ 88.260,23, relativos à omissão de receitas do FUNDEF e à diferença de repasse total de verbas à Câmara Municipal  e aplicado multa no valor de R$ 21.600,00, referente ao encaminhamento intempestivo dos Relatórios de Gestão Fiscal ao TCE/MA, ambos transitados em julgado (fls. 69).
Ao final requer a condenação do requerido por crime de responsabilidade previsto no art. 1º, V (uma vez) e III (duas vezes), ambos do Decreto-Lei nº 201/67 e nas sanções do art.89 da Lei nº 8666/93, na forma do art. 69, caput, do CP.
Às fls. 271-v, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa prévia no prazo de 5 dias (art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67), bem como requisitou-se documentos ao TCE/MA.
Às fls. 1055, determinou-se a intimação do requerido para manifestar-se acerca dos documentos juntados de fls. 569-1054.
Às fls. 1059, determinou-se novamente a expedição de precatória para citação do acusado a qual ocorreu às fls. 1097.
Às fls. 1065-1070, o acusado apresenta defesa prévia oportunidade em que sustentou: que o parecer prévio do TCE não tem o condão por si só de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do município; que eventual ausência de processos licitatórios e fragmentação de despesas não causaram nenhum dano ao erário, sendo mera irregularidade formal que não encontra subsunção ao tipo do art. 89 da Lei nº 8666/93; que eventual pagamento de diárias sem autorização legislativa também não tem o condão de tornar ilegítimas tais despesas, não configurando a figura do art. 1º, V do Decreto-Lei nº 201/67; que eventual aplicação de percentual a menor na educação e na saúde não causaram nenhum dano ao erário e não caracterizam a figura típica do art. 1º, III do Decreto-Lei nº 201/67; que os recursos e rendas pública do exercício financeiro de 2002 foram aplicados corretamente em favor da coletividade de João Lisboa, não se podendo falar em crime praticado pelo acusado; que não restou evidenciado o necessário elemento subjetivo dos tipos dolosos imputados ao réu, motivo pelo qual a ação penal deve ser julgada improcedente e ainda por ausência de provas capazes de demonstrar que o denunciado teria se apropriado de rendas públicas ou desviado-as em proveito próprio ou alheio. Finaliza requerendo a rejeição da denuncia e a improcedência da ação penal.
Às fls. 1072, a inicial foi recebida inexplicavelmente sob o rito da Ação de Improbidade.
Às fls. 1085-1092, o réu apresentou nova defesa prévia, oportunidade em que reiterou o pedido de rejeição da denúncia e improcedência da ação penal.
Às fls. 1098, este juízo tornou sem efeito o despacho de fls. 172 e determinou a expedição de precatória para oitiva de testemunhas em São Luis/MA.
Às fls. 1101-1103 o requerido requereu a juntada dos documentos de fls. 1104-2546.
Às fls. 2548-2551, o Ministério Público ofertou parecer onde se manifestou acerca da documentação anexada pelo réu sustentando diversos indícios de que tais documentos teriam sido forjados após a prestação de contas junto ao TCE, dentre outros, pelos seguintes termos: 1) não há demonstração do chamamento das empresas através de convite; 2) A documentação apresentada não foi juntada quando da época da prestação de contas junto ao TCE e nem em sede de pedido de reconsideração; 3) os documentos foram fabricados de uma só vez, os pareceres jurídicos são idênticos e genéricos em todos os processos licitatórios; 4) as atas de julgamento das licitações foram feitas sem a presença de qualquer representante das empresas; 5) não foram juntados os atos constitutivos das empresas licitantes. Por tais motivos, o representante ministerial requereu a juntada dos originais de tais documentos.
Às fls. 2555, este juízo determinou a juntada dos originais.
Às fls. 2559, o requerido apresentou petição informando que somente possuía em seu poder os documentos apresentados às fls. 2560-3797 consistente em novas cópias reprográficas.
Às fls. 3924 foi ouvida a testemunha JOÃO ALMY ALVES DA SILVA, o qual confirmou os termos do relatório de informações técnicas.
Às fls. 3927, o Ministério Público desistiu da oitiva da testemunha DOURIVAN NEPOMUCENO MARINHO.
ÀS FLS. 3928 este juízo deferiu o pedido de dispensa da testemunha e designou interrogatório do acusado.
Às fls. 3930, o acusado foi interrogado oportunidade em que negou todas as imputações que constam da inicial.
O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 3932-3936, oportunidade em que pugnou pela procedência da denúncia e condenação do acusado nas penas do art. 1º, III (2x) e V do Decreto-Lei nº 201/67, bem como pelo art. 89 da Lei nº 8666/93, todos na forma do art. 69, caput, do CP.
A defesa, por sua vez, em sede de alegações finais às fls. 3939-3952, suscita em preliminar a ausência de motivação da decisão que recebeu a denúncia e no mérito reafirma sua tese constante da defesa preliminar de fls. 1065-1070 afirmando imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 200/2004, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; quanto a alegação de ausência de procedimento licitatório afirma que fez prova nos autos de que os procedimento licitatório existiram e que todos os recursos foram empregados em favor da coletividade; que inexistiu qualquer dolo por parte de agente para causar prejuízo ao erário municipal; que quanto a alegação de fragmentação indevida de despesas com caracterização do crime do art. 89 da Lei nº 8666/93 afirma que a imputação não procede e que não restou caracterizado o tipo subjetivo que é o dolo, que não há prova de que houve fracionamento indevido de despesas com o fim de fraudar licitação e que eventuais compras foram feitas dentro do limite legal de dispensa de licitação; quanto à imputação de ausência de lei autorizativa para pagamento de diárias afirma que o DECRETO Nº 001/2001, de 01 de janeiro de 2001,  é o diploma normativo que autoriza a referida despesa; que relativamente à acusação de aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino, informa que o total de receita do município no exercício de 2002 foi de R$ 10.514.994,36 e que o item 6.2 do Relatório de fls. 34 informa que o total de despesa com educação foi de R$ 3.688.223,01, de forma que teria sido atingido e superado limite do art. 212 da CF, já que houve despesas de 35,07% com o desenvolvimento do ensino, não encontrado tal fato subsunção ao delito do art. 1º, III do Dec-Lei nº 201/67, que os recursos financeiros do exercício de 2002 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa e que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2003, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio; que relativamente à acusação de aplicação de percentual a menor na saúde, informa que o total de receita do município no exercício de 2002 foi de R$ 10.514.994,36 e que o item 7 do Relatório de fls. 36 informa que o total de despesa com saúde foi de R$ 1.313.822,74, de forma que teria sido atingido e superado limite do art. 77, §1º do ADCT, já que houve despesas de 12,45% com a saúde municipal, não encontrado tal fato subsunção ao delito do art. 1º, III do Dec-Lei nº 201/67, que os recursos financeiros do exercício de 2002 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa e que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2002, deixado de realizar licitação ou fragmentado indevidamente despesas e a atipicidade das condutas relativas às gastos a menor com saúde e educação, bem como a atipicidade da imputação de realização de despesas sem previsão legal relativamente às diárias; finaliza requerendo que seja reconhecida a nulidade decorrente da ausência do motivação da decisão que recebeu a denúncia e no mérito pela improcedência da denúncia por ausência de provas.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

QUANTO À PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL

Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência de fundamentação da decisão que recebeu a inicial às fls. 1072.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão deriva de uma análise, em juízo de mera prelibação, porém, cuidadosa, verificando o magistrado que não seria caso de rejeição da ação.
Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.

DO MÉRITO

QUANTO AO DELITO DE DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO MEDIANTE FRAGMENTAÇÃO DE DESPESAS (ART. 89 da leI Nº 8666/93)

                                   Sustenta o Ministério Público que o requerido, durante a sua gestão no ano de 2002, teria fracionado despesas que, em verdade, deveriam ter sido feitas em conjunto e concomitantemente, como é o caso de aquisição de peças de reposição para veículos, material para a construção civil, material impresso de informática, gêneros alimentícios e material de limpeza, material escolar, material de expediente e medicamentos, tendo listado às fls. 04-09, todas as despesas com dispensa indevida de licitação, de forma que com o referido fracionamento os valores individuais de cada contrato não ultrapassem os limites da licitação dispensada (R$ 8.000,00).
                                   O art. 89 da Lei nº 8666/93 dispõe:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

                                   No presente caso, o Ministério Público lista um total de 79 (setenta e nove) contratações que teriam sido levadas a efeito no exercício financeiro de 2002, pelo requerido, com dispensa indevida de licitação através de fragmentação de despesas, o que teria gerado um desvio orçamentário de R$ 241.341,31 (duzentos e quarenta e um mil, trezentos e quarenta e um reais e trinta e um centavos).

                                   Nada obstante, a prova produzida nos autos demonstra que na realidade das contratações listadas pelo Ministério Público às fls. 04-09, apenas 03 (três) ocorreram com dispensa de licitação em razão do valor (fls. 1107-1118), quais sejam:

1)     em 30.12.2002, Rainha Com. De Alimentos Ltda, valor R$ 1.302,85, (Aquisição de Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza);
2)     em 10.05.2002, M. F. MInohara Comércio, valor R$ 207,41, (Aquisição de Peças de Reposição para Veículos);
3)     em 10.05.2002, José Abdon Oliveira Marinho, valor R$ 3.900,00, (Aquisição de Material para Construção Civil).


As demais constam dos autos, de forma que não se pode falar em dispensa indevida de licitação quanto a estas últimas.( fls. 1119-2546)
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
A Lei nº 8.666, de 1993, em seu art. 23, § 5º, veda o fracionamento de despesa.
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
§ 5o É vedada a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”, respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.

O fracionamento se caracteriza quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa, ou para efetuar contratação direta.
Por exemplo, a lei impede a utilização da modalidade convite para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços de idêntica natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços. Da mesma forma, a utilização de várias tomadas de preços para se abster de realizar concorrência.
Em outras palavras, é vedada a utilização de modalidade inferior de licitação ou da dispensa de licitação quando o somatório do valor a ser licitado caracterizar modalidade superior ou despesa superior ao limite de R$ 8000,00 (Lei nº 8666/92, art. 24, I e II).

A materialidade do delito no presente caso, restou evidenciada já que o requerido procedeu a dispensa de licitação relativamente à aquisição de produtos que individualmente não superam o limite de dispensa previsto no art. 24, II da Lei nº 8666/93, mas que no conjunto com todas as aquisições de produtos idênticos ou de mesma natureza, superam em muito àquele limite de forma que estar-se diante de fracionamento ou fragmentação de despesas com vistas a obter dispensa indevida de licitação, fato que encontra subsunção no tipo do art. 89 da Lei nº 8666/93.

Colho dos autos que relativamente à aquisição de produtos de Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza, o requerido dispensou licitação em 30.12.2002, no valor de R$ 1.302,85, quando já havia contratado mais de R$ 85.000,00 em produtos de mesma natureza, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 1101-1103.

Relativamente à aquisição de Peças de Reposição para veículos, o requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 207,41, quando já havia contratado mais de R$ 18.000,00 em produtos de mesma natureza, só até o mês de abril/2002, alcançando o total de mais de R$ 54.000,00, no exercício inteiro, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 1101-1103..

Relativamente à aquisição de Material de Construção, o requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 3.900,00, tendo gasto quase R$ 10.000,00 no exercício inteiro em produtos de mesma natureza, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 1101-1103.
Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 5.410,26 (cinco mil, quatrocentos e dez reais e vinte e seis centavos), correspondente ao somatório das despesas efetuadas com dispensa indevida de licitação.
A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2002 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 200/2004 (fls. 18-42).

O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mediante fragmentação de despesas com vistas à obter a contratação direta.

                        Quanto à tese de defesa, de que os procedimento licitatórios questionados foram todos anexados aos autos, observo que os próprios documentos 1107-1118 revelam que houve um procedimento de dispensa de licitação em relação às três contratações aqui referidas, porém, tal procedimento caracterizou a chamada fragmentação indevida de despesa para fins de dispensar indevidamente a licitação nos termos reconhecido pela fundamentação supra.
 Portanto, relativamente ao referido tipo penal, o caso é de procedência da denúncia.

DA APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 16,93%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal, incidindo no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

Analisando os autos, vejo que a obrigação de aplicação de percentual mínimo na educação encontra-se tanto na Constituição (art. 212) quanto na Lei nº 9394/96 (art. 69) .
Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 35,07% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF e art. 69 da Lei nº 9394/96:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 983.227,52 (16,93%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.451535,22 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89). (RIT, fls. 34)
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 6,99% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria sido superado os percentuais mínimos de gastos com educação no exercício 2002, tendo atingido o montante de 35,07% da receita total, inexiste qualquer demonstração nesse sentido.
Por tais, razões tenho por configurado o delito imputado ao requerido.

DA APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA SAÚDE MUNICIPAL

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da saúde, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 13,86% quando na verdade foi aplicado tão-somente 5,52%, violando assim, o art. 77, §1º do ADCT, incidindo no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
“Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
(...)
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 1o Os Estados, o Distrito Federal e os municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevalos gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.”

Analisando os autos, vejo que a obrigação de aplicação de percentual mínimo na educação encontra-se no art. 77, §1º do ADCT da CF/88.
Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de ter garantida condições mais dignas de saúde.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 12,45% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido, mas ainda assim, um percentual menor do que o previsto em lei que é de 13,86%.

A partir da análise das provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Saúde Municipal o valor de R$ 320.893,09 (5,52%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 804.731,12 (13,86% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89).
Como se não bastasse o município durante toda a gestão do requerido até o ano de 2002, ou seja, nos exercício de 2001 e 2002, jamais atingiu os percentuais mínimos de aplicação em saúde, o que revela que não se está diante de simples descumprimento, mas de reincidência, o que revela o dolo do agente.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na saúde da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à saúde em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria sido superado os percentuais mínimos de gastos com educação no exercício 2002, tendo atingido o montante de 12,45% da receita total, observo que tal percentual é inferior ao previsto na lei e que inexiste qualquer demonstração nesse sentido.

Por tais, razões tenho por configurado o delito imputado ao requerido.

AUSENCIA DE LEI AUTORIZANDO OU DECRETO FIXANDO O VALOR DO PAGAMENTO DE DIÁRIAS

Sustenta o Ministério Público que o réu efetuou despesas com pagamento de diárias para si e para pessoas ocupantes de cargos na administração sem a existência de diplomas legais que autorizem a realização de gasto público, bem como, sem qualquer comprovação do interesse público a justificar referido dispêndio.
Tais despesas foram descritas na tabela de fls. 10, num total de R$ 13.485,00.
Em suas alegações finais, o requerido infirmou as acusações e indicou a existência de um DECRETO Nº 01/2001, de 01.01.2001 que disporia acerca da concessão de diárias no serviço público municipal da Administração Direta e Indireta (fls. 1104-1106).

Analisando a imputação, os argumentos de defesa e as provas trazidas para os autos, observo que de fato o réu fez juntar às fls. 1104-1106, um decreto de concessão de diárias no município de João Lisboa/MA.

Entretanto, nesse caso, entendo que não deve prevalecer a presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo, pois o mesmo não revela a força probante necessária para demonstrar a regularidade da despesa.
Com efeito, observo que o referido documento veio desacompanhado do necessário anexo a que o seu corpo faz referência logo no seu artigo primeiro, impossibilitando a aferição de eventual correspondência entre os valores pagos a título de diárias para o requerido e para o servidor Francisco Alves Silva, únicos destinatários de tais verbas no exercício de 2002.
Ademais, o réu sequer juntou aos autos a cópia do Diário Oficial em que teria sido publicado tal ato.
Não fosse o suficiente, entendo que o referido documento esta eivado de sério vício que compromete sua validade, pois às fls. 1106, consta como data de subscrição do documento pelo chefe do executivo municipal o dia 01.01.2005, quando restou incontroverso nos autos que o mandato do réu findou-se em 2004, e as imputações constantes da presente demanda referem-se ao ano de 2002, tudo a indicar que o referido documento constitui-se em uma fraude, motivo pelo qual não reconheço nele nenhum valor probatório.
Portanto, também aqui restou exaustivamente demonstrada a desonestidade no modo de proceder do réu relativamente às verbas públicas do município de João Lisboa.
Ao liberar verbas para pagamento de diárias para o Sr. FRANCISCO ALVES SILVA, num total de R$ 3.985,00, sem lei ou ato normativo autorizativo, incorreu no tipo previsto no art. 1º, V do Decreto-Lei nº 201/67:

“Art. 1o São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizalas em desacordo com as normas financeiras pertinentes;”

Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito de terceiro e prejuízo ao erário.

Ao liberar verbas para pagamento de diárias para si próprio e para terceiro, num total de R$ 13.485,00, sem lei ou ato normativo autorizativo, incorreu no tipo do art. 1º, V do Decreto-Lei nº 201/67.

Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito de próprio e prejuízo ao erário.
Quanto à tese de defesa, de que as despesas teriam sido feitas com respaldo em um decreto nº 001/2001, tais argumentos já foram enfrentados e afastados conforme fundamentação supra.
Portanto, relativamente ao referido tipo penal, o caso é de procedência da denúncia.

DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para CONDENAR o réu FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 1º, III (2x) e V do DECRETO LEI Nº 201/67 e art. 89 da LEI nº 8666/93, na forma do art. 69, caput, do CPB.
Passo a dosimetria da pena.
Em atenção ao art. 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação das sanções aplicáveis ao condenado, passo à fixação da pena:

Quanto ao delito do art. 89 da Lei nº 8666/93

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido relativamente ao delito de dispensa indevida de licitação é elevado, tendo em vista a importância da concorrência publica e igualdade para fins de atingimento da eficiência administrativa. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime não se revelaram. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a descumprir o mandamento constitucional. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

A condições financeiras do requerido são boas, tratando-se de médico e ex-prefeito.
Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos do delito do art. 89 da Lei nº 8666/93 a pena base de 03 (três) anos de detenção e 100 dias-multa, na razão de 1/3 do salário mínimo por dia-multa.
Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 03 (tres) anos de detenção e 100 dias-multa, na razão de 1/3 do salário mínimo por dia-multa

Quanto ao delito do art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67, relativo à aplicação à menor de recursos na educação:

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido relativamente ao delito de desvio de verbas da educação é elevado, tendo em vista a importância do serviço educacional para o município. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime não se revelaram. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a descumprir o mandamento constitucional. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,III do Decreto-Lei nº 201/67 de 11 (onze) meses de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 11 (onze) meses de reclusão.

Quanto ao delito do art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67, relativo à aplicação à menor de recursos na saúde:

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido relativamente ao delito de desvio de verbas da saúde é elevado, tendo em vista a importância do serviço de saúde pública para o pobre município de João Lisboa. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime não se revelaram. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a descumprir o mandamento constitucional. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,III do Decreto-Lei nº 201/67 de 11 (ONZE) meses de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 11 (onze) meses de detenção.

Quanto ao delito do art. 1º, V do Decreto Lei nº 201/67, relativo à realização de despesa sem lei autorizativa:

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido é elevado, tendo em vista a malversação de recursos de um pobre município. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime não se revelaram. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a descumprir o mandamento constitucional. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,V do Decreto-Lei nº 201/67 de 11 (ONZE) meses de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 11 (onze) meses de detenção.

CONSIDERANDO A REGRA DO CONCURSO MATERIAL CUMULO AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE TOTALIZANDO 05 (CINCO) ANOS E 09 (NOVE) MESES DE DETENÇÃO E 100 DIAS-MULTA NA RAZÃO DE 1/3 DO SALARIO MINIMO VIGENTE POR DIA-MULTA.

Para regime de cumprimento pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime semi-aberto, nos termos do que determina o art. 33, §2º, b do CPB.

Incabível o sursis (art. 77, CP) ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos termos do art. 44 do CPB, diante do quantum de pena aplicada.
Permito ao réu o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista que tenho com desnecessária a decretação de sua prisão neste momento, estando ausentes dos requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 e 313 do CPP.

Considerando o quantum da pena aplicada pelo delito do art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67 e o tempo de tramitação da presente ação penal, uma vez transitada em julgado a presente ação para o Ministério Público, retornem os autos conclusos para fins do art. 110, §1º do CPB.

Transitada em julgado a sentença e em atenção ao disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67:

a) seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais;
b) oficie-se ao local de cumprimento da pena restritiva de direitos, no sentido de informar a pena imposta ao réu, bem como que informe este Juízo, mensalmente, sobre o efetivo cumprimento da mesma;
c) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
d) Deixo de decretar a perda do cargo de prefeito uma vez que o mandato do acusado já findou desde 31.12.2004.
e) Declaro a inabilitação do condenado, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.
f) DEIXO de Condenar o sentenciado a reparar o dano causado ao erário público do município de João Lisboa/MA, tendo em vista que o mesmo já fora condenado pelos mesmos fatos nos autos da ação de improbidade administrativa nº 354-43.2009.8.10.0038.
P.R.I.
João Lisboa/MA, 10 de julho de 2015.

Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa


domingo, 12 de julho de 2015

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. APLICAÇÃO A MENOR NA EDUCAÇÃO. AUSENCIA DE PROCESSOS LICITATÓRIOS. CONTAS EXERCICIO 2004.



Proc. 470-49.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2004 atos de improbidade administrativa consistentes em:
1. Aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino
2. Ausência de processo licitatório;
3. Ausência de comprovantes de despesas;

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 3628/2005) e Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG/NACOG, e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 35/2007 – NACOG/UTCOG (FLS. 131-137), onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87) pela desaprovação das contas do exercício 2004 e aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00, por irregularidades formais (em razão de irregularidades apontadas no Relatório de Informações Técnicas Conclusivo nº 35/2007 – UTCOG/NACOG), responsabilização do gestor a repor ao erário municipal o valor de R$ 1.038.087,02, acrescido de multa no valor de R$ 103.808,70; responsabilizar o gestor em multa de R$ 21.600,00, em razão do não encaminhamento e da não-comprovação da publicação do relatório resumido de execução orçamentária e dos relatórios de gestão fiscal,   transitado em julgado após provimento parcial do PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO para tão-somente reduzir o valor da multa por irregularidade formal de R$ 5000,00 para R$ 4900,00, tendo em vista a apresentação de procedimentos licitatórios no valor de R$ 348.927,78, restando ausentes R$ 1.744.167,56, mantendo incólume as demais condenação (fls. 105-106 e 109).

Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 2.485.747,53 atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação e com fragmentação de despesas; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 2.485.747,53 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XI (uma vez), 10, VII (duas vezes) e 11, I (uma vez), aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I, II e III da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.

Às fls. 646, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa preliminar, o que foi feito às fls. 691.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 691, porém, não apresentou defesa preliminar.
Em parecer de fls. 694-697, o MP requereu a citação do Município para querendo integrar a lide, bem como o recebimento da inicial e a citação do réu para querendo apresentar contestação, o que foi deferido Às fls. 698.
Às fls. 741, o município foi citado, mas não se manifestou e às fls. 706 o réu também fora citado e novamente deixou escoar o seu prazo de resposta, conforme certidão de fls. 707-v.
Em novo parecer o MP requer a oitiva das testemunhas arroladas na inicial.(fls. 711-712).
Às fls. 726-729, foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo MP.
Às fls. 738, o requerido requer habilitação nos autos.
Às fls. 740 apresenta petição requerendo a juntada de documentos que supostamente seriam cópias dos procedimentos licitatórios que não foram apresentados junto ao TCE na época própria, mas que demonstrariam ser fatos impeditivos e modificativos do direito do autor.
Juntou documentos de fls. 748-3014.
Em parecer de fls. 3020-3022, o representante do Ministério Público afirma a invalidade da documentação juntada, suscita diversos indícios de que tais documentos teriam sido forjados após a prestação de contas junto ao TCE, dentre outros, pelos seguintes termos: 1) não há demonstração do chamamento das empresas através de convite; 2) A documentação apresentada não foi juntada quando da época da prestação de contas junto ao TCE e nem em sede de pedido de reconsideração; 3) os documentos foram fabricados de uma só vez, os pareceres jurídicos são idênticos e genéricos em todos os processos licitatórios; 4) as atas de julgamento das licitações foram feitas sem a presença de qualquer representante da empresa vencedora.
Às fls. 3023 foi designada audiência de conciliação a qual se realizou às fls. 3035-3036, oportunidade em que foi deferido prazo de 15 dias para juntada dos originais dos documentos relativos aos processos licitatórios.
Os referidos originais foram apresentados às fls. 3038-5476.
Às fls. 5480, foi indeferido o pedido de nomeação de perito para aferir eventual falsidade documental e/ou analise e emissão de parecer. Após, determinou-se a intimação das partes para apresentação de alegações finais.
Às fls. 5480-v, o MP requer, novamente que sejam apresentados os documentos originais.
Às fls. 5481, indeferi tal requerimento, tendo em vista que o requerido já havia apresentado a documentação original às fls. 3037-5476.
Às fls. 5482-5485-v, o representante do Ministério Público apresenta alegações finais oportunidade em que reitera os termos da inicial e requer a condenação do réu nas penas do art. 9º, X e XI, art. 10, VII e art. 11, I, todos da LEI nº 8429/92, impondo-se, quanto ao ressarcimento do dano o valor de R$ 5.730.289,90.
O réu, em sede de alegações finais, sustenta em preliminar ausência de motivação da sentença como violação ao princípio do contraditório para ao fim  requerer a revogação do despacho de recebimento da inicial e profira novo despacho para possibilitar a defesa do requerido; no mérito, afirma que não é razoável a responsabilização do agente político por improbidade administrativa com base apenas nas informações do TCE; que não estão presentes os requisitos necessários para a configuração de atos de improbidade administrativa já que não há demonstração do necessário dolo como elemento subjetivo do tipo e, ainda, que não há demonstração de dano ao patrimônio público; que quanto à alegação de ausência de licitação, fragmentação de despesas e ausência de comprovantes de despesas, afirma que tal imputação não se sustenta já que foram juntados aos autos cópias de 197 licitações e 07 dispensas de licitação questionadas na inicial, o que constituiria fato impeditivo ou modificativo do direito do autor, de forma que os recursos foram empregados em favor da coletividade não se podendo falar em prejuízo ao erário; relativamente à fragmentação de despesas, que não há prova do dolo do agente e nega que tenha havido fracionamento de despesas com vistas a obtenção de dispensa indevida de licitação;  que quanto à suposta aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino,  requerido afirma que não ocorreu tal prática e que a receita total do município em 2004 foi de R$ 12.859.451,13 e que a despesa com educação foi de R$ 5.173.907,69, de forma que teriam sido gastos com educação 40,23% das receitas; que quanto à ausência dos comprovantes de despesas, afirma que não há prova nos autos de que as mercadorias adquiridas não tenha sido aplicadas em favor da comunidade; que nenhum dos atos imputados ao requerido foram praticados com dolo ou má-fé, de forma que não configuram improbidade administrativa; não havendo prova das improbidades imputadas na inicial, devem ser indeferidos os pedido de restituição ao erário, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil; após, invoca os requisitos do ato administrativo e os princípios do direito administrativo para afirmar a incorreção do modo de proceder do Ministério Público; finaliza requerendo o indeferimento das medidas cautelares pleiteadas e a improcedência da ação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

QUANTO À PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL

Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência de fundamentação da decisão que recebeu a inicial às fls. 698.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão é datada de 04.05.2010, tendo derivado de uma análise, em juízo de mera prelibação, porém, cuidadosa, verificando o magistrado que não seria caso de rejeição da ação por não ter se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.(art. 17, §8º, LIA), tanto mais porque o réu, em que pese devidamente notificado, não apresentou qualquer manifestação.
Ademais, devidamente intimado da referida decisão, o requeiro manteve-se inerte, não tendo sequer apresentado contestação, motivo pelo qual o declaro revel.
Destaco que o próprio art. 17, §10 da LIA, prevê a possibilidade de recurso por parte do requerido relativamente a decisão de recebimento da inicial, de forma que não o tendo exercido à época própria, o caso é de preclusão temporal:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
(...)
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, XI (uma vez); art. 10, VIII (duas vezes); art. 11, I (uma vez) do referido diploma legal.

APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA EDUCAÇÃO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2004 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 8,72%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal.

Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 40,23% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 512.070,02 (8,72%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.468.672,27 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.874.689,06).(fls. 133-134)
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 13,42% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.(fls. 37)
Também os recursos do FUNDEF foram gastos de maneira ilegal uma vez que devendo gastar 60% com magistério e 40% com outras despesas, o fez somente no percentual respectivo de 47,09% com remuneração de profissionais do magistério, descumprindo o art. 60, §5º do ADCT e art. 7º da Lei nº 9394/96.(fls. 38 e 107)
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria havido um erro contábil pelos técnicos do TCE que não teriam levado em consideração os gastos efetuados pelo município referentes à obrigação patronal (INSS EMPRESA) num total de R$ 798.147,36, observo às fls. 133, que o relatório de informações técnicas do recurso complementar nº 02/2008 UTCOG-NACOG constata que “Contudo, há que se observar que esse valor se refere a todos os servidores da Prefeitura, e não somente àqueles da educação (....)”.
Por tais, razões tenho por configurado o ato improbo imputado ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
                                  
DA AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO

                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   Analisando os autos verifico que em que pese a revelia do réu, o mesmo veio para os autos e juntou farta documentação infirmando em parte as imputações do Ministério Público relativas à inexistência de prévia licitação para a aquisição dos produtos descritos às fls. 03-17 e 21-22.
                                   Os documentos juntados aos autos às fls. 748-3014, não são hábeis a demonstrar a existência fática dos procedimentos licitatórios aos quais o autor imputa a inexistência, pois 1) não há demonstração do chamamento das empresas através de convite; 2) A documentação apresentada não foi juntada quando da época da prestação de contas junto ao TCE e nem em sede de pedido de reconsideração; 3) os documentos foram fabricados de uma só vez, os pareceres jurídicos são idênticos e genéricos em todos os processos licitatórios; 4) as atas de julgamento das licitações foram feitas sem a presença de qualquer representante da empresa vencedora.
A isso merece ser adicionado falhas graves verificadas por este juízo, por exemplo, no procedimento licitatório consistente em CONVITE para aquisição de livros didáticos de fls. 3207-3236, onde consta no edital de fls. 3207 que o certame ocorrerá no dia 18.05.2004 às 10h, porém, a empresa supostamente vencedora DPN DISTRIBUIDORA LTDA teria, na oportunidade juntado CERTIDÃO NEGATIVA QUANTO À DIVIDA ATIVA DA UNIÃO emitida em 31.05.2004 às 11:27:43, portanto, posteriormente à data da licitação o que revela a impossibilidade física e cronológica do referido documento existir no dia 18.05.2004, tudo a demonstrar que se tratou de uma montagem do processo licitatório.
                                   Situação semelhante ocorreu no EDITAL DE LICITAÇÃO CARTA CONVITE Nº 97/2004 para aquisição de material de expediente e escolar (fls. 2027-2035) onde consta no edital de fls. 2027 que o certame ocorrerá no dia 06.07.2004 às 16h, tendo o edital sido publicado em 24.06.2004 (fls. 2027), porém, as empresas supostamente convidadas somente obtiveram certificado de registro cadastral junto ao Município de João Lisboa em 01.07.2004, de forma que não poderiam ter sido convidadas em 24.06.2004 o que revela a impossibilidade física e cronológica do referido documento existir no dia 24.06.2004, tudo a demonstrar que se tratou de uma montagem do processo licitatório.

                                   Não fosse o suficiente, observo que ao longo de todos os processos de licitação anexados aos autos, num total de 197 licitações, TODOS os certificados de registro cadastral das empresas participantes das licitações – quase seiscentas no total – foram emitidos e assinados em 05.01.2004 para TODAS AS LICITAÇÕES DO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2004 e 01.07.2004 para TODAS AS LICITAÇÕES DO SEGUNDO SEMESTRE DE 2004, o que revela mais um indício de montagem de licitações para justificar as despesas.

Por conseguinte, tenho como imprestáveis os documentos anexados aos autos às fls. 748-3014 para fazer prova da existência dos processos licitatórios imputados como inexistentes pelo Ministério Público, tanto mais levando-se em consideração que os mesmos não foram anexados à prestação de contas junto ao TCE/MA na época própria e nem nos dois pedidos de reconsideração feitos pelo réu nos autos do processo administrativo que tramitou perante aquele órgão de contas e que culminou com a emissão de parecer préivio pela desaprovação das contas e imputação de débito e multa ao referido ex-gestor.
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a  compras que superam em muito àquele limite de dispensa de licitação (R$ 8.000,00) de forma que, diante da inexistência de prévio processo licitatório, tal omissão encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 2.600.121,83 (dois milhões, seiscentos mil, cento e vinte e um reais e oitenta e três centavos), correspondente ao somatório dos valores constantes às fls. 03-17, despesas efetuadas sem licitação válida.

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mesmo ciente ilegalidade de sua conduta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de licitação.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

Quanto a alegação da defesa de que foram efetuados todos os procedimentos de licitação indicados na inicial, explicito que as razões acima delineadas já demonstram que a documentação apresentada é inidônea para o fim a que se destina, e que se tratam de uma inovação – cheia de falhas que maculam sua credibilidade – e     que houve omissão já que sequer tais documentos constaram da prestação de contas do exercício 2004 do requerido junto ao TCE/MA conforme se verifica do Relatório de Informações Técnicas de fls. 32-51.

                                   Por tais motivos, tenho como demonstrada nos autos a primeira imputação relativa a realização de despesas sem o correspondente procedimento licitatório, configurando o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92.

DA AUSÊNCIA DE COMPROVANTES DE DESPESAS


                                   Em sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta de apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de 2004 num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos) uma vez que teria prestado contas junto ao TCE/MA de 26 (vinte e seis) compras, enumerando as pessoas jurídicas que receberam recursos públicos, sem providenciar as respectivas comprovações de despesas (notas fiscais).
                                  
                                   O art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito a incorporação ao próprio patrimônio de valores ou verbas públicas:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;

                                   Encontra-se devidamente demonstrada nos autos a partir do Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica  de Recurso Complementar nº 02/2008 – NACOG/UTCOG, que o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87), mantido pelo Acórdão PL-TCE nº 552/2008 (fls. 161) pela desaprovação das contas do exercício 2004, onde todos esses documentos atestam a inexistência de documentos fiscais que comprovem a regularidade das despesas alegadas e não demonstradas pelo réu. Portanto, não consta dos autos, as notas fiscais que comprovem a origem de tais despesas.

                                   Merece relevo as inúmeras oportunidades conferidas ao requerido de fazer prova dessas despesas tanto no curso do processo administrativo nº 3628/2005 - TCE onde o mesmo apresentou dois pedidos de reconsideração, ambos improvidos, quanto no curso do presente processo judicial onde o requerido teve oportunidade de fazer a juntada da referida documentação em sua defesa prévia, resposta escrita e no curso da instrução, porém, não o fez.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à ausência de documentos que comprovem as despesas individualizadas na inicial, num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos), efetivadas com recursos públicos, de forma que inexistindo tal comprovação concluo pelo  desvio e incorporação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2004.

A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2004 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 007/06 (fls. 32-51).

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante o apossamento de tais verbas e sua posterior alegação de gastos em despesas que não foram comprovadas nos autos e nem na prestação de conta do requerido junto ao TCE/MA.

Quanto a tese de defesa de que não haveria prova de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em prol da comunidade e que os Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica de Recurso Complementar nº 02/2008 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87), mantido pelo Acórdão PL-TCE nº 552/2008 (fls. 161) pela desaprovação das contas do exercício 2004, seriam imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para afastar eventual subsunção da conduta do requerido ao tipo; quanto a alegação de que não houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em sentido contrário já que as referidas despesas não foram justificadas e nem comprovadas junto ao TCE ou nos presentes autos; quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.
Colaciono precedente em situação análoga:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS (FUNDEF). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 AOS PREFEITOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INOBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL PREVISTO NO ARTIGO 7º, DA LEI Nº 9.424/96. EMPREGO DE PARCELA DA VERBA PARA O CUSTEIO DE DESPESAS NÃO COMPATÍVEIS COM A SUA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DE OUTRAS DESPESAS. DEMAIS IRREGULARIDADES. DOLO/CULPA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. AJUSTE. 1. A Justiça Federal é competente para apreciar a demanda em que se atribui ao réu a prática de improbidade na aplicação de recursos públicos federais (do FUNDEF). 2. Ficou pacificado, na jurisprudência pátria, que a Lei nº 8.429/92 se aplica aos prefeitos, havendo alusão expressa àqueles que exercem mandatos. A mesma só foi afastada quanto às autoridades elencadas no artigo 102, I, c, da Carta Magna, enquadradas entre os destinatários da Lei nº 1.079/50. A responsabilização, na esfera criminal, não se confunde com a de natureza político-administrativa, que motivou a criação do instituto da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa. 3. Houve a comprovação da autoria e da materialidade de atos de improbidade, enquadrados nos artigos 10, XI, e 11, "caput", da Lei nº 8.429/92. 4. Confessadamente, não ocorreu a aplicação do percentual mínimo de 60% (sessenta por cento) do Fundo, na forma do artigo 7º, da Lei nº 9.424/96. Não se comprovou em que foi utilizada uma parte dos valores repassados, outra parcela não foi empregada para a finalidade a que se destina o mencionado Fundo e ocorreram outras irregularidades de menor relevância (recursos alusivos ao exercício de 2000 serviram para quitar restos a pagar de 1999 e remanesceu saldo, quanto ao mencionado exercício, em contrariedade à anualidade do Fundo). 5. Restou patente o dolo, mesmo que eventual, na conduta do gestor, ainda que não haja prova de que ele tenha se locupletado do valor desviado. De qualquer sorte, o aludido artigo 10 contempla a possibilidade da condenação, também, quando o agente labora com culpa. 6. A dosimetria da pena merece ajustes, diante do reconhecimento da significativa redução do dano causado ao erário. Ressarcimento limitado aos gastos sem qualquer comprovação (R$ 22.516,77), excluindo-se os valores referentes aos dispêndios irregulares, em desacordo com as normas do FUNDEF, mas constatados. Redução da multa civil para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Afastamento da perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos. 7. Apelação parcialmente provida (TRF-5 - AC: 200983020017628  , Relator: Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 25/04/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 03/05/2013)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. DEFESA. CONVÊNIO. NÃO COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. GRADAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES. 1. Apresentando o réu manifestação, antes do recebimento da inicial, na segunda instância e contestação na primeira, não há que se falar em cerceamento de defesa. 2. Convênio da Prefeitura com o FNDE.Não comprovação das despesas efetuadas. 2. No nosso ordenamento jurídico, a exigência da culpa, é a regra. A culpa normalmente é exigida para a configuração da responsabilidade. A responsabilidade objetiva se observa em alguns casos, como os previstos na Constituição Federal, arts. 37, § 6º, 225, § 3º, Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), artigo 14, Código Civil, arts. 927, parágrafo único, 932 e 936. 3. Deve haver uma gradação na aplicação das sanções, levando-se em conta a gravidade do ilícito, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido. Pode-se, assim, aplicar uma ou mais sanções. (TRF-1 - AC: 878 PA 2001.39.01.000878-8, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 11/03/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 28/03/2008 e-DJF1 p.218)


No presente caso, porém, a destinação de relevante quantia de verba pública do exercício financeiro de 2004 teve destinação ignorada, uma vez que inexistem comprovantes de despesas, fazendo-se presumir sua indevida incorporação pelo ordenador de despesas.
Por tais razões, tenho por configurado o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92.

DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 11, caput (1x); art. 10, VIII (1x); art. 9º, XI (1x), todos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação constitucional (CF, art. 212), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do ensino da Educação Pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo prefeito desta urbe no ano de 2004, valor que não é ínfimo e nem exagerado e guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
b)    Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a ausência de processo licitatório, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 2.600.121,83 (dois milhões, seiscentos mil, cento e vinte e um reais e oitenta e três centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
c)     Pelos atos descritos no art. 9º, XI, da Lei 8.429/1992, referentes a AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS, CONDENO-O a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor,  apropriou-se indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Em face do resultado do julgamento, defiro cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido, uma vez presentes os requisitos cautelares do fumus boni iuris consistente na real probabilidade de responsabilização civil do réu após o transito em julgado do feito e o periculum in mora, consistente na possibilidade de dilapidação patrimonial, fazendo-se necessária a reserva de bens em montante suficiente para cobrir eventuais prejuízos, sob pena de se tornar ineficaz eventuais condenações contra o requerido motivo pelo qual fixo-a no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), valor aproximado do somatório das condenações para tornar indisponíveis os bens imóveis do réu. Sendo assim, com supedâneo no meu poder geral de cautelar (CPC, art. 798) concedo tutela cautelar atípica para tornar indisponíveis os bens imóveis do requerido, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local,  da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA, São Luís/MA, Dom Elizeu/PA, Ulianópolis/PA, Marabá/PA, Açailandia/MA e Itinga/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

A liquidação da presente sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 07 de julho de 2015.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa