quarta-feira, 26 de novembro de 2014

SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSÓRCIO, ENTREGA DA CARTA DE CRÉDITO. EXIGÊNCIA DE FIADOR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. PROCEDÊNCIA.

Processo nº 1440-73.2014.8.10.0038

Autor: ADENYLSON VALARIANO QUARESMA

Réus: CONSÓRCIO NACIONAL HONDA LTDA e MOTOCA MOTORES TOCANTINS LTDA


AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS.



SENTENÇA

RELATÓRIO

                                      Dispensado o relatório na forma do art. 38 da Lei nº 9099/95.

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.
Preliminares:
CARÊNCIA DE AÇÃO
Em sua resposta, a primeira requerida suscita preliminar de carência de ação uma vez que o reclamante não teria juntado cumprido sua obrigação contratual prevista na cláusula 12.1 e parágrafos primeiro e segundo correspondente à comprovação de renda.
Sem razão.
Com efeito, observo que dos autos consta a declaração de renda assinada por contador com firma reconhecida e identificação do respectivo número de inscrição junto ao Conselho Regional de Contabilidade às fls. 74. Portanto, diante da resistência da reclamada em disponibilizar o crédito ao reclamante, resta evidenciada a pretensão resistida e a necessidade da presente demanda.
Afasto a preliminar.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DA MOTOCA

Em sua resposta, a segunda reclamada suscita sua ilegitimidade passiva uma vez que o contrato foi assinado e criou obrigações entre o consorciado e a primeira reclamada.
Com razão a segunda requerida.
De fato , a relação obrigacional foi formada entre o reclamante e o primeiro reclamado, figurando a segunda reclamada como mera estipulante em favor de terceiro.
                               Destaque-se que a MOTOCA LTDA funcionou durante a fase das tratativas e a própria execução do contrato de consorcio como estipulante do negócio jurídico e, portanto, com aptidão e legitimidade para receber os documentos necessários e encaminhá-los para a Administradora do Consórcio, porém, a obrigação de entrega do crédito cabe à primeira reclamada tão-somente, a menos que fosse imputada à segunda reclamada alguma omissão quanto ao seu dever de estipulante.
Sendo assim, reconheço a ilegitimidade passiva da segunda reclamada, motivo pelo qual extingo o processo sem resolução do mérito tão-somente quanto à segunda reclamada, por ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267, VI do CPC.

MÉRITO:
Narra o autor que aderiu a um plano de consórcio oferecido pela ré, havendo efetuado o pagamento de uma parcela, quando, então, foi sorteado em assembléia. Sustenta que iniciou o procedimento para recebimento do crédito, apresentando a documentação exigida conforme documentos de fls. 19. Aduz que quando foi retirar o crédito foi surpreendido por exigência de avalista para a liberação do crédito. Postulou a obrigação de entrega do veículo, bem como indenização por danos morais.
No que concerne a contratos de consórcio, vê-se que, em tese, não há ilicitude na conduta das empresas administradoras ao exigir garantia para a liberação do crédito. A retenção do crédito, mesmo após a contemplação do consorciado, constitui ato de cautela permitido a tais instituições para a manutenção da saúde financeira do grupo consortil, visando benefício maior à coletividade. Tal exigência, inclusive, possui previsão legal no art. 14, §4º da Lei nº 11795/2008:

“Art. 14. No contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, devem estar previstas, de forma clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para utilizar o crédito. (...)
 § 4o A administradora pode exigir garantias complementares proporcionais ao valor das prestações vincendas.”

No entanto, no caso trazido aos autos, a exigência de fiador da forma que fora feita pela demandada não consta do contrato firmado entre as partes (folhas 16/17).
É que analisando o REGULAMENTO DE GRUPO DE CONSÓRCIO DESTINADO A AQUISIÇÃO DE PRODUTOS HONDA (fls. 52-58), o parágrafo único do item 12.5, condiciona a exigência da apresentação de um interveniente garantidor solidário ao não cumprimento das condições exigidas no item 12.1:

“Cláusula 12.5 (...)
Parágrafo único: Caso não atendidas algumas das condições acima, como complemento às exigências da alínea “c” e “d” do item 12.1, a Administradora poderá exigir que o consorciado apresente interveniente garantidor solidário que atenda aos mesmos requisitos especificados para o consorciado, podendo, ainda a Administradora, a seu critério exclusivo, exigir qualquer outra garantia complementar permitida em lei, proporcional ao valor do saldo devedor da cota contemplada.”

Por sua vez, a alínea “c” da clausula 12.1, refere-se à negativação do nome do autor, o que não restou demonstrado nos autos.

A alínea “d”, de outra banda, lista os documentos que o contemplado deve apresentar dentre os quais o comprovante de renda, porém, o parágrafo segundo do mesmo item, admite que a comprovação de renda possa ser feita através de declaração de profissional de contabilidade:
“Cláusula 12.1 (...)
Paragrafo segundo: Para a aquisição do bem e liberação do crédito de contemplação, deverá o consorciado contemplado também comprovar receber renda mensal de, no mínimo, 3 (três) vezes o valor da prestação ou da soma das prestações de toda as quotas não quitadas que o consorciado detiver junto à Administradora, através de:
(...)
II – no caso de comerciante ou autônomo, declaração de rendimento assinada pelo contador com firma reconhecida e identificação do respectivo CRC (DECORE).”

Portanto, tendo o reclamante apresentado a referida documentação durante o procedimento de pós-contemplação, indicando que possui uma renda mensal média de R$ 1500,00, portanto, superior à exigência contratual de 3(três) vezes o valor da última parcela, conforme verifico às fls. 74, não poderia a reclamada fazer exigências complementares sem o atendimento da condição suspensiva prevista na cláusula 12.5, paragrafo único.
Destaco, ainda, que o reclamante sequer foi informado da exigência de semelhante garantia quando da contratação, o que poderia ser fator determinante para a não realização do negócio, conforme infiro do próprio depoimento pessoal do reclamante às fls. 134-135.
Dessa forma tenho que a requerida faltou com dever de boa-fé, qual seja, necessidade de prestar adequada informação à contraparte na relação comercial, no sentido de colaborar com o correto cumprimento do contrato. A boa fé objetiva também foi violada em sua vertente denominada pela doutrina de venire contra factum proprium, na medida em que a Administradora adota um comportamento contraditório, pois permitiu a inclusão do reclamante no grupo consorcial, vem recebendo o pagamento das prestações em dia, mas uma vez verificada a contemplação por sorteio do mesmo, faz exigências abusivas para cumprir com a sua contraprestação contratual.
No entanto, embora a requerida tenha deixado de informar o autor sobre a exigência de avalista para retirar o crédito, fazendo injusta retenção da carta, neste caso, essa situação não caracteriza dano moral por si só.
Em verdade, a situação dos autos caracteriza-se como mero inadimplemento contratual, não restaram comprovadas circunstâncias que tenha afetado de modo grave a esfera psíquica do autor, nem que pudessem ter violado os direitos da personalidade. Deste modo, inexistem danos morais indenizáveis.
 É de ser salientado que os transtornos causados pelo inadimplemento estão dentro de uma linha de riscos de uma vida em sociedade, não decorrendo nenhuma dor moral, pelo menos que seja passível de indenização pecuniária.
Portanto, não tendo sido comprovada a existência de dano moral indenizável indefiro a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a presente demanda para condenar o CONSÓRCIO NACIONAL HONDA LTDA, a entregar ao reclamante um veículo CG 150 FAN ESDI, novo, zero quilômetro, nas condições constantes do contrato de fls. 16-17 e regulamento de fls. 52-57-v ou a respectiva carta de crédito correspondente valor de mercado do referido bem, no prazo máximo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$ 1000,00 (mil reais), nos termos do art. 461, §5º do CPC.  

Sem custas e sem honorários.(at. 54 e 55 da Lei nº 9099/95).

P. R. I.
                   
João Lisboa/MA, 25 de novembro de 2014.


 

Juiz Glender Malheiros Guimarães


Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa