Proc.
354-43.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO
PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE
HOLANDA
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em
tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2002 atos de
improbidade administrativa consistentes em:
1. Ausência de processo licitatório;
2. Fragmentação indevida de despesas;
3. Realização de repasse a menor para a Câmara de Vereadores;
4. Aplicação de percentual a menor da educação;
5. Aplicação de percentual a menor da Saúde;
6. Ausência de lei autorizando ou decreto fixando o valor
para o pagamento de diárias.
Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do
Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8596/2003) e Relatório de Informação
Técnica nº 200/2004 – NACOG/UTCOG, onde
o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2002
recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 250/2005 pela desaprovação, sendo-lhe, ainda,
através do ACORDÃO PL-TCE Nº 612/2005, imputado débito no valor de R$
88.260,23, relativos à omissão de receitas do FUNDEF e à diferença de repasse
total de verbas à Câmara Municipal e
aplicado multa no valor de R$ 21.600,00, referente ao encaminhamento
intempestivo dos Relatórios de Gestão Fiscal ao TCE/MA, ambos transitados em
julgado (fls. 78).
Ao final requer a concessão de medida cautelar de
indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 755.867,91
atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido
teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores
por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação e com
fragmentação de despesas; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao
Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 755.867,91 atualizados monetariamente,
bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XI (uma vez), 10, VII
(três vezes) e 11, I(duas vezes), aplicando-lhe as cominações descritas no art.
12, I, II e III da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.
Às fls. 278-v, este juízo determinou a notificação do réu apresentação
de sua defesa preliminar.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 287,
entretanto quedou-se inerte, conforme se verifica às fls. 288.
A inicial foi recebida e foi determinada a citação do
requerido às fls. 288.
Devidamente citado, o réu não apresentou contestação (fls.
296).
Às fls. 297-301, foram deferidas as medidas cautelares de
sequestro e indisponibilidade dos bens até o montante de R$ 755.867,91, bem
como foi decretada a revelia do réu.
Às fls. 303-304, o Ministério Público pleiteou a produção de
prova testemunhal, o que foi deferido por este juízo e determinado a expedição
de carta precatória para a comarca de São Luís para a oitiva das testemunhas
arroladas na denúncia.
Às fls. 318, procedeu-se a oitiva da testemunha JOÃO ALMY
ALVES SILVA. O Ministério Público desistiu da oitiva da segunda testemunha.
ÀS FLS. 337, o requerido requer habilitação nos autos.
Às fls. 340-342, o requerido argui a litispendência da
presente ação com o processo nº 352/2009.
Às fls. 358-369, o Ministério Público apresentou alegações
finais oportunidade em que requereu o não acolhimento da preliminar de
litispendência uma vez que os pedidos constantes das ações nº 352/2009 e
354/2009 são distintos, sendo que a primeira visa à responsabilidade penal do
acusado por crime de responsabilidade e a segunda visa à responsabilização por
Improbidade Administrativa; no mérito pleiteou a procedência da demanda.
Às fls. 371, determinou-se a intimação do requerido para
apresentação de alegações finais.
Às fls. 374-375, o requerido requer a juntada de documentos
consistentes em: Cópia do Decreto que estabelece o pagamento de diárias (fls.
377-379) e cópias de licitações, especificando 105 procedimentos, sendo 03 de
dispensa de licitação (fls. 380-391) e 102 de licitação na modalidade Convite.
(fls. 392-1862).
Às fls. 1863-1889, o requerido apresentou alegações finais
oportunidade em que nega as imputações que recaem contra si; afirma que para a
configuração de ato de improbidade administrativa que atentam contra os
princípio da administração pública faz-se necessário a demonstração do dano ou
do perigo de dano, além da necessidade de ação ou omissão dolosa do agente; quanto à alegação de ausência de
processo licitatório em relação às despesas apontadas pelo MP, foi
juntado aos autos cópia das diversas licitações apontadas como ausentes (fl.
392-1862) comprovando a regularidade das despesas, além disso não estaria
demonstrado o dolo do agente; quanto
a alegação de fragmentação de despesas mediante dispensa indevida de
licitação, afirma que também está ausente o dolo, uma vez que este não teria
restado demonstrado e eventual culpa não seria suficiente para a configuração
do tipo do art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 e que não há prova nos autos de que
tais despesas teriam sido fraudulentamente realizadas mediante dispensa
indevida de licitação com fracionamento de despesas, pois nos casos apontados
respeitou-se o limite legal de dispensa; quanto
à alegação de repasse a menor para a Câmara de Vereadores sustenta que
o fato de o legislativo ter recebido à época R$ 391.511,40 não significa que
houve um prejuízo incomensurável à população, pois a obrigação constitucional
de repasse de 8% estaria satisfeita com o total de R$ 417.923,75, valor esse
que o requerido afirma ter repassado em sua integralidade; quanto à alegação de aplicação de percentual a menor na educação,
o requerido afirma que em verdade aplicou R$ 3.688.223,01 o que corresponderia
a 35,07% do total da receita do município percentual que é superior à obrigação
constitucional do art. 212 da CF(25%);
quanto à alegação de aplicação de percentual a menor na saúde, o
requerido afirma que em verdade aplicou R$ 1.313.822,74 o que corresponderia a
12,45% do total da receita do município percentual que é superior à obrigação
constitucional do art. 77, §1º do ADCT (7%); quanto à alegação de ausência de Lei Autorizando ou Decreto fixando
o valor para pagamento de diárias, afirma que aos autos foi juntado
DECRETO nº 01/2001, de 1 de janeiro de 2001 que dispõe sobre a concessão de
diárias no serviço público municipal da administração direta e indireta. Finaliza
requerendo a improcedência da ação.
Tendo em vista os documentos juntados às fls. 377-1862, o MP
foi intimado a manifestar-se.
Às fls. 1892-1893-v, o MP afirma que: a) não há carta-convite
no procedimentos; b) que não foi dado publicidade ao instrumento convocatório;
c) que não constas as atas de realização do evento de abertura das propostas;
d) que a documentação apresentada não está autenticada ou acompanhada de
originais; e) que os documentos são inservíveis, pois não foram apresentados
junto com a prestação de contas do requerido.
Às fls. 1894-1906, o requerido junta aos autos comprovantes
de repasses dos duodécimos para a Camara Municipal no ano de 2002.
Às fls. 1907, este juízo determinou a juntada dos originais
dos documentos apresentados às fls. 377/1862 em 10 dias.
Às fls. 1910-1911, o requerido justifica a impossibilidade de
juntada dos originais uma vez que os mesmos teriam sido enviados ao TCE/MA.
Às fls. 1913-1915, o MP manifesta-se requerendo a
desconsideração da justificativa, afirmando que os documentos foram produzidos
de forma fraudulenta para falsear a verdade e eximir o requerido de condenação
e requer a procedência da denúncia.
Às fls. 1922, determinei a intimação do advogado para
declarar a autenticidade dos documentos, tendo o mesmo escusando-se de fazê-lo
“visto ter recebido do seu constituinte, as cópias outrora juntadas à estes
autos, sendo estes documentos públicos”.
Às fls. 1927, o MP requer
a procedência da demanda.
Vieram os autos conclusos.
É o
relatório. DECIDO
FUNDAMENTAÇÃO
DO MÉRITO
A
Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da
Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação
essa que tipificou em numerus apertus
várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as
em três grandes grupos.
O
primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam
enriquecimento ilícito.
O
segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo
ao erário.
O
terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que
atentam contra os princípios da administração pública.
O
Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade
administrativa descritos nos artigos 9º, XI (uma vez); art. 10, VII (três
vezes); art. 11, I (duas vezes) do referido diploma legal.
DA AUSÊNCIA
DE PROCESSO LICITATÓRIO
O
art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade
administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo
licitatório ou dispensálo indevidamente:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
VIII – frustrar a
licitude de processo licitatório ou dispensálo indevidamente;
Analisando
os autos verifico que em que pese a revelia do réu, o mesmo veio para os autos
e juntou farta documentação infirmando as imputações do Ministério Público
relativas à inexistência de prévia licitação para a aquisição dos produtos
descritos às fls. 03/05.
O
Ministério Público, devidamente intimado a manifestar-se acerca da documentação
juntada aos autos em 22.06.2013,
o fez em 05.07.20013, limitando-se a requerer o encaminhamento integral dos
autos – em que pese tenha tido vista integral dos autos conforme termo de vista
de fls. 1890-v.
Posteriormente,
em 26.07.2013, os autos são novamente encaminhados ao Ministério Público o qual
ofereceu parecer às fls. 1892-1893, quando só então arguiu de falsidade dos
documentos apresentados.
Dispõem
os arts. 372 e 390 do CPC:
Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido
documento particular, alegar, no prazo estabelecido no artigo 390, se lhe
admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo‑se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro.
(...)
Art. 390. O incidente de falsidade tem lugar em qualquer
tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o
documento, suscitá‑lo na contestação ou no
prazo de dez dias, contados da intimação da sua juntada aos autos.
Portanto,
a arguição de falsidade documental levada a efeito pelo Ministério Público foi
feita de forma intempestiva, uma vez que tendo
tomado conhecimento da juntada em 22.06.2013 (FLS. 1890-V), somente o arguiu de
falsidade em 05.08.2013, muito depois do prazo legal de 10 (dez) dias
constante do art. 390 do CPC, operando-se a preclusão temporal, motivo pelo
qual não merece acolhida.
Por
outro lado, os documentos juntados aos autos às fls. 392/1862, demonstram que,
ao contrario do que alegado pelo Ministério Público, houve sim licitação, na
modalidade CONVITE, para a aquisição dos produtos listados às fls. 03/05 da
inicial.
Destaco
que soa como incoerente o Ministério Público em um primeiro momento alegar a
inexistência de procedimentos licitatórios e, após a juntada da documentação
correspondente suscitar, agora, a nulidade dos procedimentos, o que ademais
feriria a ampla defesa do requerido que se defendeu de imputação diversa.
Por
fim, cumpre destacar que os atos administrativos gozam de presunção de
veracidade e legitimidade, presunção relativa, porém, que demandaria a
demonstração inequívoca em contrário, por parte do Ministério Público, fato que
não ocorreu nos presentes autos, onde o Ministério público limitou-se a apontar
– e de forma intempestiva – indícios de nulidade das licitações.
Por tais motivos, não tenho como demonstrado nos autos a
primeira imputação relativa a realização
de despesas sem o correspondente procedimento licitatório, devendo o
réu ser absolvido de tal imputação.
QUANTO À
ALEGAÇÃO DE FRAGMENTAÇÃO DE DESPESAS E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO
Sustenta
o Ministério Público que o requerido, durante a sua gestão no ano de 2002,
teria fracionado despesas que, em verdade, deveriam ter sido feitas em conjunto
e concomitantemente, como é o caso de aquisição de peças de reposição para
veículos, material para a construção civil, material impresso de informática,
gêneros alimentícios e material de limpeza, material escolar, material de
expediente e medicamentos, tendo listado às fls. 06-12, todas as despesas com
dispensa indevida de licitação, de forma que com o referido fracionamento os
valores individuais de cada contrato não ultrapassem os limites da licitação
dispensada (R$ 8.000,00).
O
art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade
administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo
licitatório ou dispensálo indevidamente:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
VIII – frustrar a
licitude de processo licitatório ou dispensálo
indevidamente;
No
presente caso, o Ministério Público lista um total de 79 (setenta e nove)
contratações que teriam sido levadas a efeito no exercício financeiro de 2002,
pelo requerido, com dispensa indevida de licitação através de fragmentação de
despesas, o que teria gerado um desvio orçamentário de R$ 241.341,31 (duzentos
e quarenta e um mil, trezentos e quarenta e um reais e trinta e um centavos).
Nada
obstante, a prova produzida nos autos demonstra que na realidade das
contratações listadas pelo Ministério Público às fls. 06-12, apenas 03 (três)
ocorreram com dispensa de licitação em razão do valor (fls. 380-391), quais
sejam:
1) em 30.12.2002, Rainha Com. De Alimentos Ltda, valor R$
1.302,85, (Aquisição de Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza);
2) em 10.05.2002, M. F. MInohara Comércio, valor R$ 207,41,
(Aquisição de Peças de Reposição para Veículos);
3) em 10.05.2002, José Abdon Oliveira Marinho, valor R$
3.900,00, (Aquisição de Material para Construção Civil).
As demais constam dos autos, de forma que não se pode falar
em dispensa indevida de licitação quanto a estas últimas.( fls. 392 a 1862)
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de
dispensa indevida de licitação.
A Lei nº 8.666, de 1993, em seu art. 23, § 5º, veda o
fracionamento de despesa.
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os
incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes
limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
§ 5o É vedada a utilização da modalidade “convite” ou
“tomada de preços”, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou
serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que
possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de
seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”,
respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza
específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade
diversa daquela do executor da obra ou serviço.
O fracionamento se caracteriza quando se divide a despesa
para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação
para o total da despesa, ou para
efetuar contratação direta.
Por exemplo, a lei impede a utilização da modalidade convite
para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços de
idêntica natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e
concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso
de tomada de preços. Da mesma forma, a utilização de várias tomadas de preços
para se abster de realizar concorrência.
Em outras palavras, é vedada a utilização de modalidade
inferior de licitação ou da dispensa de licitação quando o somatório do valor a
ser licitado caracterizar modalidade superior ou despesa superior ao limite de
R$ 8000,00 (Lei nº 8666/92, art. 24, I e II).
No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu
a dispensa de licitação relativamente à aquisição de produtos que
individualmente não superam o limite de dispensa previsto no art. 24, II da Lei
nº 8666/93, mas que no conjunto com todas as aquisições de produtos idênticos
ou de mesma natureza, superam em muito àquele limite de forma que estar-se
diante de fracionamento ou
fragmentação de despesas com vistas a obter dispensa indevida de
licitação, fato que encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.
Colho dos autos que relativamente à aquisição de produtos de
Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza, o requerido dispensou licitação em
30.12.2002, no valor de R$ 1.302,85, quando já havia contratado mais de R$
85.000,00 em produtos de mesma natureza, via licitação modalidade Convite,
conforme comprovam os documentos de fls. 388-391.
Relativamente à aquisição de Peças de Reposição para
veículos, o requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 207,41,
quando já havia contratado mais de R$ 18.000,00 em produtos de mesma natureza,
só até o mês de abril/2002, alcançando o total de mais de R$ 54.000,00, no
exercício inteiro, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os
documentos de fls. 380-383.
Relativamente à aquisição de Material de Construção, o
requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 3.900,00, tendo
gasto quase R$ 10.000,00 no exercício inteiro em produtos de mesma natureza,
via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls.
384-387.
Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade
de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 5.410,26 (cinco mil, quatrocentos e
dez reais e vinte e seis centavos), correspondente ao somatório das despesas
efetuadas com dispensa indevida de licitação.
O
elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como
agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e
consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mediante
fragmentação de despesas com vistas à obter a contratação direta. Ou, no
mínimo, sua culpa in eligendo, culpa
grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração
relativamente à análise jurídica do procedimento de dispensa de licitação,
tendo chancelado todo o procedimento conforme se verifica dos documentos de
fls. 381, 385 e 389.
Observe-se que nos termos do art. 10, caput, da Lei nº 8429/92, o
elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO
SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA,
PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª
SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.
(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro
TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO,
Data de Publicação: DJe 27/09/2010)
DA
REALIZAÇÃO DE REPASSE A MENOR PARA A CÂMARA DE VEREADORES
Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua
gestão no ano de 2002 efetuou repasse a menor dos duodécimos constitucionais
para a Câmara de Vereadores uma vez que deveria ter repassado 8% da receita
tributária e transferências efetivamente realizadas no exercício anterior,
porém, somente procedeu à transferência de 7,75%, em afronta ao art. 29-A, I da
CF.
Dispõe
o referido dispositivo:
Art. 29‑A. O total da despesa do
Poder Legislativo municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos
os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais,
relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no
§ 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159, efetivamente realizado no
exercício anterior:
I – 7% (sete por cento) para municípios com população de até
100.000 (cem mil) habitantes;
Como sabido, o município de João Lisboa possui e possuía no
ano de 2002, população inferior a 100 mil habitantes.
Portanto, o repasse para a Câmara Municipal a título de
duodécimos deveria atingir o montante de 7% e não 8% como alega o Ministério
Público em sua inicial e o Relatório de Informaçoes Técnicas do TCE nº 200/2004
(fls. 42).
Sendo assim, resta evidenciado que ao contrario do que alega
o autor, houve repasse de duodécimos a maior e não a menor já que o valor
correto do repasse seria de R$
377.115,44, tendo sido repassado segundo o referido relatório que
embasou a inicial o valor de R$
417.923,75 (quatrocentos e dezessete mil, novecentos e vinte e três
reais e setenta e cinco centavos).
Por sua vez, as guias de repasses anexadas às fls. 1895-1906,
da qual constam o recebimento pelo presidente da Câmara de Vereadores à época
revelam o repasse de R$ 391.511,96.
Portanto, restou demonstrado nos autos que houve um repasse a
maior do que aquele constante da obrigação constitucional (art. 29-A, I, CF),
num montante demonstrado nos autos de R$
14.396,52.
Em um ou outro caso, resta evidenciada a gravidade da conduta
que configura, inclusive, crime de responsabilidade:
Art. 29‑A. O total da despesa do
Poder Legislativo municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos
os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais,
relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no
§ 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159, efetivamente realizado no
exercício anterior:
(...)
§ 2º Constitui crime de responsabilidade do Prefeito municipal:
§ 2º Constitui crime de responsabilidade do Prefeito municipal:
I – efetuar
repasse que supere os limites definidos neste artigo;
II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III
– enviá‑lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.
De fato, colhe-se dos autos que o
requerido, na condição de Prefeito do Município de João Lisboa (mandato de 2001
a 2004), efetuou repasse à Câmara Municipal das cotas duodecimais no ano de 2002,
em valor superior aos definidos no art. 29-A, I da CF, sem demonstração que
tenha havido restituição do saldo.
A
ilegalidade resta evidenciada nos autos pela violação aos princípios da
administração pública ( legalidade e moralidade), sendo dispensável a prova do
prejuízo.
Nesse
sentido:
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. Contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado em razão de
aplicação de percentual inferior ao estabelecido pela Constituição Federal para
o pagamento de profissionais do magistério. Improbidade configurada. CHEFE DO
PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. CABIMENTO E APLICABILIDADE DA LEI N. 8.429/92.
Agentes públicos são todas as pessoas que desempenham função pública em todos
os seus níveis e hierarquias, em forma permanente ou transitória, por eleição
popular, designação direta, por concurso ou por qualquer outro meio legal.
ILÍCITO CONFIGURADO. IMPROBIDADE RECONHECIDA. Aplicação e destinação dos
recursos do FUNDEF no ensino fundamental em percentual inferior a 60% da
receita municipal no pagamento dos profissionais do magistério. Inobservância
dos parâmetros mínimos exigidos pelo artigo 60, § 5º, do ADCT. Repasse de duodécimos à Câmara Municipal
em percentual superior ao previsto no artigo 29-A, inciso I, da Constituição
Federal. Comprovação dos fatos pela conclusão do Tribunal de Contas do Estado
que rejeitou as contas apresentadas pelo Prefeito Municipal. ELEMENTO
SUBJETIVO. Suficiente existência da prova da culpa ou dolo do agente. Meios de
prova determinam a convicção motivada acerca da improbidade administrativa.
Relatório da equipe técnica do Tribunal de Contas aponta para a destinação de
apenas 47,09% da receita do FUNDEF para o ensino fundamental, não observando o
mínimo exigido de 60%. Reincidência. Identificação de reiterada conduta, ou
seja, quarto exercício consecutivo de destinação de valor inferior ao mínimo.
Afastada a alegação de mera falta de habilidade administrativa do ex-prefeito.
Configurada a hipótese de má utilização de recursos públicos. Indevido repasse
à Câmara Municipal de quantia equivalente a 8,25% da receita do Município, sem restituição
de saldo, violando regra do artigo 29-A, inciso I, da Constituição
Federal.SANÇÕES. Inocorrência de efetivo dano ao erário não inibe a imposição
da sanção, que esteve bem aplicada pelo julgador ao afastar a pena de multa,
aplicando as sanções na perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos por três anos e proibição de contratar com o Poder Público ou de
receber incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de três anos. Dosimetria
correta. Razoabilidade e proporcionalidade diante das circunstâncias que
envolvem o caso concreto, especialmente a reincidência do agente público pelo
quarto exercício consecutivo, o que expressa e identifica a gravidade do ato
improbo.Negado provimento ao recurso.
(TJ-SP
- APL: 142437220088260323 SP 0014243-72.2008.8.26.0323, Relator: José Maria
Câmara Junior, Data de Julgamento: 24/10/2012, 9ª Câmara de Direito Público,
Data de Publicação: 24/10/2012)
A conduta do requerido violou
flagrantemente o previsto no art. 168 da Constituição da
República, o qual obriga o Poder Executivo a repassar a quantia previamente
atribuída em lei orçamentária anual a cada um dos Poderes, nos seguintes
termos:
"Art.
168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os
créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes
Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhe-ão entregues até o
dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, §
9º."
Diante disto, entendo ser inquestionável
a subsunção do ato do apelante nas hipóteses do art. 11 da Lei
n.º 8.429/1992,
"in verbis":
"Art.
11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou
diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício; (...)."
Porém,
é necessária certa prudência na interpretação das normas ali inseridas, já que
sua amplitude importa em risco para o magistrado, induzindo-o a tachar de
ímprobas condutas puramente irregulares. Assim, deve restar demonstrado dolo,
má-fé, desonestidade do administrador atrelada à afronta a princípio
constitucional da Administração Pública, para se admitir a imposição de
penalidades àquele.
Oportuna, nesse momento, a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA
DI PIETRO, em sua obra Direito Administrativo, 15.ed., p.689, acerca da
necessária presença de dolo ou má-fé do agente, em situações como a analisada:
“No caso da lei de
improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato
de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a
probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um
mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas
como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.”
Recordo, ainda, as palavras da eminente Ministra ELIANA
CALMON, no julgamento do REsp
n. 534.575-PR, DJ 29.03.2004:
O art. 11 respaldou-se
na CF para indicar os deveres impostos ao
administrador, destacando-se assim a honestidade, a imparcialidade, a
legalidade e a lealdade às instituições.
Entretanto, a conduta comissiva ou
omissiva não pode ser culposa, exigindo-se o dolo como elemento subjetivo e
indispensável à configuração do tipo. O agente público precisa estar, conseqüentemente,
consciente de que viola esses deveres.
Na figura do inciso I, o agente tem por
objetivo, ao praticar o ato, atingir um fim ilícito ou proibido, muito embora
não haja enriquecimento ilícito capaz de causar prejuízo ao erário. O tipo não
contempla tal particularidade, que, se existir, levará a tipificação para os
arts. 9º ou 10.
A figura em exame contempla duas
situações:
a) o agente pretende atingir um
finalidade ilícita;
b) o agente pratica um ato com desvio de
finalidade, em outras palavras, o ato é praticado em desacordo com a vontade
legal, mas também com consciente violação de um dever. (Destacamos)
Vale conferir julgado do colendo STJ, verbis:
AÇÃO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou
o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve
como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade
nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que
causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os
princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão
à moralidade administrativa.
2.
Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida
norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados
pela norma especial.
3.
No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele
insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o
a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção
administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a
moralidade administrativa.
(omissis)
6. É
cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a
ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica
fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela
má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal,
deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não
restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido,
calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito. (omissis). (REsp
480387/SP, Ministro LUIZ FUX, DJ 24.05.2004)
De igual forma tem decidido o TJMG:
EMENTA:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPASSE. DUODÉCIMO. ATRASO.
DOLO. NEGLIGÊNCIA. DANO PATRIMONIAL. AUSENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
Improcedente
a pretensão inicial desta ação civil pública, quando não se verifica prova
segura de que o réu, quando no exercício do cargo de Prefeito do Município de
Resplendor, agiu com dolo ou negligência ou acarretou prejuízo ao erário, no
repasse atrasado de duodécimos à Câmara Municipal, a possibilitar o
reconhecimento de improbidade administrativa. Rejeita-se a preliminar e dá-se
provimento à apelação. (APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0543.04.911037-1/002 - COMARCA DE
RESPLENDOR - Relator Desembargador ALMEIDA MELO - Julgamento 23.03.2006 - Data
da Publicação: 28.03.2006) (Destacamos)
Confesso
que não detectei, no caso, dolo, má-fé ou desonestidade do réu, ou seja, não
ficou comprovado, por força do artigo 333, I, do CPC e do artigo 17, § 6º, da Lei n.8.429, de 1992, que o ex-Prefeito Municipal de João Lisboa
tinha a intenção de atingir fim ilícito ou proibido quando do repasse a maior de
duodécimo à Câmara Municipal. Também não vislumbrei qualquer dano ao erário.
O
próprio relatório de informações técnicas que embasou a inicial apresenta
números desconformes quanto aos valores e percentuais que realmente deveriam
ter sido repassados à Câmara Municipal, pois a inicial imputa um repasse a
menor, levando em consideração um percentual de 8% do total de Receita
Tributária e Transferências, percentual esse que inexiste no art. 29-A da CF
que prevê um repasse de 7%.
Já as
provas trazidas aos autos revelam que houve um repasse superior ao previsto na Constituição,
o que também revela uma ilegalidade. Porém, má-fé e desonestidade, não há como
concluir com o acervo probatório trazido para os autos. Fico a me questionar:
qual o interesse do prefeito de transferir mais dinheiro para a Câmara via
duodécimos? Estou convencido de que se está diante de típico caso de inabilidade
ou incompetência, não de desonestidade.
Sendo
assim, ausente o elemento subjetivo do dolo, presente mera culpa derivada de
imperícia ou imprudência, não tenho como demonstrado todos os elementos do tipo
do art. 11 da LEI nº 8429/92.
APLICAÇÃO
DE PERCENTUAL A MENOR NA EDUCAÇÃO
Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua
gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente
previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual
mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado
tão-somente 16,93%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal.
Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a
população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de
profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.
Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a
informar que na verdade gastou 35,07% do Orçamento, sem qualquer prova nesse
sentido.
Dispõe o art. 212 da CF:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de
dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
Analisando os autos e as provas, observo que de fato o
requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 983.227,52 (16,93%) quando em verdade
deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.451.535,22 (25% da receita de impostos e
transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89).
Como se não bastasse o município somente aplicou somente
6,99% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando
deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.
Também os recursos do FUNDEF foram gastos de maneira ilegal
uma vez que devendo gastar 60% com magistério e 40% com outras despesas, o fez
somente no percentual respectivo de 41,18% e 54,77%.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a
ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de
forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma
preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas
obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público
ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo
dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais
e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à
educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço
essencial.
Por tais, razões tenho por configurado o ato improbo imputado
ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
APLICAÇÃO
DE PERCENTUAL A MENOR NA SAÚDE
Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua
gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente
previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual
mínimo naquele exercício financeiro de 13,86% quando na verdade foi aplicado
tão-somente 5,52%, violando assim, o art. 77, §1º do ADCT.
Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a
população de João Lisboa que ficou alijada de um maior fornecimento de
medicamentos, adoção de programas de prevenção ou contratação de profissionais
de saúde.
Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a
informar que na verdade gastou 12,45% do Orçamento, sem qualquer prova nesse
sentido.
Dispõe o art. 77 do ADCT:
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos
mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
(...)
III – no caso dos
Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação
dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de que tratam os
artigos 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os municípios que
apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá‑los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004,
reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a
partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.
Analisando os autos e as provas, observo que de fato o
requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Saúde
Municipal o valor de R$ 320.893,09 (5,52%) quando em verdade deveria ter
aplicado, no mínimo, R$ 804.731,12 (13,86% da receita de impostos e
transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89).
Como se não bastasse o município durante toda a gestão do
requerido até o ano de 2002, ou seja, nos exercício de 2001 e 2002, jamais
atingiu os percentuais mínimos de aplicação em saúde, o que revela que não se
está diante de simples descumprimento, mas de reincidência, o que revela o dolo
do agente.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a
ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de
forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na saúde da forma
preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas
obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público
ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo
dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais
e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à saúde
em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Por tais razões, tenho por configurado o ato improbo imputado
ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
AUSENCIA DE
LEI AUTORIZANDO OU DECRETO FIXANDO O VALOR DO PAGAMENTO DE DIÁRIAS
Sustenta o Ministério Público que o réu efetuou despesas com
pagamento de diárias para si e para pessoas ocupantes de cargos na
administração sem a existência de diplomas legais que autorizem a realização de
gasto público, bem como, sem qualquer comprovação do interesse público a
justificar referido dispêndio.
Tais despesas foram descritas na tabela de fls. 16-17, num
total de R$ 13.485,00.
Em suas alegações finais, o requerido infirmou as acusações e
indicou a existência de um DECRETO Nº 01/2001, de 01.01.2001 que disporia
acerca da concessão de diárias no serviço público municipal da Administração
Direta e Indireta (fls. 377-379).
Analisando a imputação, os argumentos de defesa e as provas
trazidas para os autos, observo que de fato o réu fez juntar às fls. 377-379, um
decreto de concessão de diárias no município de João Lisboa/MA.
Entretanto, nesse caso, entendo que não deve prevalecer a
presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo, pois o mesmo não
revela a força probante necessária para demonstrar a regularidade da despesa.
Com efeito, observo que o referido documento veio
desacompanhado do necessário anexo a que o seu corpo faz referência logo no seu
artigo primeiro, impossibilitando a aferição de eventual correspondência entre
os valores pagos a título de diárias para o requerido e para o servidor
Francisco Alves Silva, únicos destinatários de tais verbas no exercício de
2002.
Ademais, o réu sequer juntou aos autos a cópia do Diário
Oficial em que teria sido publicado tal ato.
Não fosse o suficiente, entendo que o referido documento esta
eivado de sério vício que compromete sua validade, pois às fls. 379, consta
como data de subscrição do documento pelo chefe do executivo municipal o dia 01.01.2005, quando restou
incontroverso nos autos que o mandato do réu findou-se em 2004, e as imputações constantes da presente demanda
referem-se ao ano de 2002,
tudo a indicar que o referido documento constitui-se em uma fraude, motivo pelo
qual não reconheço nele nenhum valor probatório.
Portanto, também aqui restou exaustivamente demonstrada a desonestidade
no modo de proceder do réu relativamente às verbas públicas do município de João
Lisboa.
Ao liberar verbas para pagamento de diárias para o Sr.
FRANCISCO ALVES SILVA, num total de R$ 3.985,00, sem lei ou ato normativo
autorizativo, incorreu no tipo previsto no art. 10, IX da LIA:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não
autorizadas em lei ou regulamento;
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo
dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de
despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito
de terceiro e prejuízo ao erário.
Ao liberar verbas para pagamento de diárias para si próprio,
num total de R$ 9500,00, sem lei ou ato normativo autorizativo, incorreu no
tipo previsto no art. 10, IX da LIA:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não
autorizadas em lei ou regulamento;
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo
dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de
despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito
de próprio e prejuízo ao erário.
Por tais razões, tenho por configurado os atos ímprobos
imputados ao requerido, previstos no art. 10, IX (duas vezes), da Lei nº
8429/92.
DISPOSITIVO
Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a
presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos
descritos nos artigos 10, VIII; art. 10, IX (2x) e art. 11, caput, (2x), todos da
Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:
a) Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992,
referentes a fragmentação de despesas com dispensa indevida de licitação, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO
LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num
total de R$ 5.410,26 (cinco mil, quatrocentos e dez reais e vinte e seis centavos),
corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por
cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a
teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda:
à suspensão dos direitos políticos
pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre
concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa
civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo
município; e, por fim, à proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro
o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por
não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do
requerido.
b) Pelos atos descritos no art. 10, IX, da Lei 8.429/1992,
referentes a CONCESSÃO DE DIÁRIAS PARA SI, sem autorização legal ou
regulamentar, CONDENO-O a ressarcir
ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela
municipalidade, num total de R$ 9.500 (nove mil e quinhentos reais), corrigidos
monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês,
a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e
das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos,
pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor,
apropriou-se indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante
correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Condeno, por fim, em perda dos valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio do réu devendo os mesmos serem devolvidos à
municipalidade, no valor de R$ 9.500,00 (nove mil e quinhentos reais), por ter
restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
c) Pelos atos descritos no art. 10, IX, da Lei 8.429/1992,
referentes a CONCESSÃO DE DIÁRIAS PARA TERCEIRO, sem autorização legal ou
regulamentar, CONDENO-O a ressarcir
ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela
municipalidade, num total de R$ 3.985,00 (três mil, novecentos e oitenta e
cinco reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco
décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a
teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda:
à suspensão dos direitos políticos
pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de
sua condição de gestor, permitiu que terceiro se apropriasse indevidamente de
verbas públicas; ao pagamento de multa
civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo
município; e, por fim, à proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado
provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
d) Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992,
referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO
ENSINO, CONDENO-O a suspensão dos
direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma
vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação
constitucional (CF, art. 212), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a
qualidade do ensino da Educação Pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante
correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo
prefeito desta urbe no ano de 2002, valor que não é ínfimo e nem exagerado e
guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à
proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
e) Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992,
referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA SAÚDE MUNICIPAL, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos
pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar
os índice mínimos previstos na legislação constitucional (art. 77, III e §1º do
ADCT), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do serviço
público de saúde prestado no âmbito municipal; ao pagamento de multa civil no montante
correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo
prefeito desta urbe no ano de 2002, valor que não é ínfimo e nem exagerado e
guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à
proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Em face do resultado do
julgamento, confirmo os efeitos da
cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido deferida às fls. 297-301,
limitando, entretanto, o quantum indisponível para o valor de R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações para
tornar indisponíveis os bens imóveis do réu,
eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir
eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar
o pagamento de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), valor aproximado do somatório
das condenações.
Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local, da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA e São
Luís/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome
do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.
A liquidação da presente
sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência
do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em
honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.
Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o
Ministério Público.
Intime-se o Ministério Público.
João Lisboa/MA, 20 de agosto de 2014.
Juiz Glender Malheiros
Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João
Lisboa