quarta-feira, 20 de agosto de 2014

SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO ORDENADOR DE DESPESAS. ATOS QUE GERAM PREJUÍZO AO ERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

Proc. 354-43.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2002 atos de improbidade administrativa consistentes em:
1. Ausência de processo licitatório;
2. Fragmentação indevida de despesas;
3. Realização de repasse a menor para a Câmara de Vereadores;
4. Aplicação de percentual a menor da educação;
5. Aplicação de percentual a menor da Saúde;
6. Ausência de lei autorizando ou decreto fixando o valor para o pagamento de diárias.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8596/2003) e Relatório de Informação Técnica nº 200/2004 – NACOG/UTCOG,  onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2002 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 250/2005 pela desaprovação, sendo-lhe, ainda, através do ACORDÃO PL-TCE Nº 612/2005, imputado débito no valor de R$ 88.260,23, relativos à omissão de receitas do FUNDEF e à diferença de repasse total de verbas à Câmara Municipal  e aplicado multa no valor de R$ 21.600,00, referente ao encaminhamento intempestivo dos Relatórios de Gestão Fiscal ao TCE/MA, ambos transitados em julgado (fls. 78).

Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 755.867,91 atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação e com fragmentação de despesas; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 755.867,91 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XI (uma vez), 10, VII (três vezes) e 11, I(duas vezes), aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I, II e III da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.

Às fls. 278-v, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa preliminar.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 287, entretanto quedou-se inerte, conforme se verifica às fls. 288.
A inicial foi recebida e foi determinada a citação do requerido às fls. 288.
Devidamente citado, o réu não apresentou contestação (fls. 296).
Às fls. 297-301, foram deferidas as medidas cautelares de sequestro e indisponibilidade dos bens até o montante de R$ 755.867,91, bem como foi decretada a revelia do réu.
Às fls. 303-304, o Ministério Público pleiteou a produção de prova testemunhal, o que foi deferido por este juízo e determinado a expedição de carta precatória para a comarca de São Luís para a oitiva das testemunhas arroladas na denúncia.

Às fls. 318, procedeu-se a oitiva da testemunha JOÃO ALMY ALVES SILVA. O Ministério Público desistiu da oitiva da segunda testemunha.
ÀS FLS. 337, o requerido requer habilitação nos autos.
Às fls. 340-342, o requerido argui a litispendência da presente ação com o processo nº 352/2009.
Às fls. 358-369, o Ministério Público apresentou alegações finais oportunidade em que requereu o não acolhimento da preliminar de litispendência uma vez que os pedidos constantes das ações nº 352/2009 e 354/2009 são distintos, sendo que a primeira visa à responsabilidade penal do acusado por crime de responsabilidade e a segunda visa à responsabilização por Improbidade Administrativa; no mérito pleiteou a procedência da demanda.
Às fls. 371, determinou-se a intimação do requerido para apresentação de alegações finais.
Às fls. 374-375, o requerido requer a juntada de documentos consistentes em: Cópia do Decreto que estabelece o pagamento de diárias (fls. 377-379) e cópias de licitações, especificando 105 procedimentos, sendo 03 de dispensa de licitação (fls. 380-391) e 102 de licitação na modalidade Convite. (fls. 392-1862).
Às fls. 1863-1889, o requerido apresentou alegações finais oportunidade em que nega as imputações que recaem contra si; afirma que para a configuração de ato de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública faz-se necessário a demonstração do dano ou do perigo de dano, além da necessidade de ação ou omissão dolosa do agente; quanto à alegação de ausência de processo licitatório em relação às despesas apontadas pelo MP, foi juntado aos autos cópia das diversas licitações apontadas como ausentes (fl. 392-1862) comprovando a regularidade das despesas, além disso não estaria demonstrado o dolo do agente; quanto a alegação de fragmentação de despesas mediante dispensa indevida de licitação, afirma que também está ausente o dolo, uma vez que este não teria restado demonstrado e eventual culpa não seria suficiente para a configuração do tipo do art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 e que não há prova nos autos de que tais despesas teriam sido fraudulentamente realizadas mediante dispensa indevida de licitação com fracionamento de despesas, pois nos casos apontados respeitou-se o limite legal de dispensa; quanto à alegação de repasse a menor para a Câmara de Vereadores sustenta que o fato de o legislativo ter recebido à época R$ 391.511,40 não significa que houve um prejuízo incomensurável à população, pois a obrigação constitucional de repasse de 8% estaria satisfeita com o total de R$ 417.923,75, valor esse que o requerido afirma ter repassado em sua integralidade; quanto à alegação de aplicação de percentual a menor na educação, o requerido afirma que em verdade aplicou R$ 3.688.223,01 o que corresponderia a 35,07% do total da receita do município percentual que é superior à obrigação constitucional do art. 212 da CF(25%); quanto à alegação de aplicação de percentual a menor na saúde, o requerido afirma que em verdade aplicou R$ 1.313.822,74 o que corresponderia a 12,45% do total da receita do município percentual que é superior à obrigação constitucional do art. 77, §1º do ADCT (7%); quanto à alegação de ausência de Lei Autorizando ou Decreto fixando o valor para pagamento de diárias, afirma que aos autos foi juntado DECRETO nº 01/2001, de 1 de janeiro de 2001 que dispõe sobre a concessão de diárias no serviço público municipal da administração direta e indireta. Finaliza requerendo a improcedência da ação.

Tendo em vista os documentos juntados às fls. 377-1862, o MP foi intimado a manifestar-se.
Às fls. 1892-1893-v, o MP afirma que: a) não há carta-convite no procedimentos; b) que não foi dado publicidade ao instrumento convocatório; c) que não constas as atas de realização do evento de abertura das propostas; d) que a documentação apresentada não está autenticada ou acompanhada de originais; e) que os documentos são inservíveis, pois não foram apresentados junto com a prestação de contas do requerido.
Às fls. 1894-1906, o requerido junta aos autos comprovantes de repasses dos duodécimos para a Camara Municipal no ano de 2002.
Às fls. 1907, este juízo determinou a juntada dos originais dos documentos apresentados às fls. 377/1862 em 10 dias.
Às fls. 1910-1911, o requerido justifica a impossibilidade de juntada dos originais uma vez que os mesmos teriam sido enviados ao TCE/MA.
Às fls. 1913-1915, o MP manifesta-se requerendo a desconsideração da justificativa, afirmando que os documentos foram produzidos de forma fraudulenta para falsear a verdade e eximir o requerido de condenação e requer a procedência da denúncia.
Às fls. 1922, determinei a intimação do advogado para declarar a autenticidade dos documentos, tendo o mesmo escusando-se de fazê-lo “visto ter recebido do seu constituinte, as cópias outrora juntadas à estes autos, sendo estes documentos públicos”.
Às fls. 1927, o MP  requer a procedência da demanda.
Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, XI (uma vez); art. 10, VII (três vezes); art. 11, I (duas vezes) do referido diploma legal.
                                  
DA AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO

                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   Analisando os autos verifico que em que pese a revelia do réu, o mesmo veio para os autos e juntou farta documentação infirmando as imputações do Ministério Público relativas à inexistência de prévia licitação para a aquisição dos produtos descritos às fls. 03/05.
                                   O Ministério Público, devidamente intimado a manifestar-se acerca da documentação juntada aos autos em 22.06.2013, o fez em 05.07.20013, limitando-se a requerer o encaminhamento integral dos autos – em que pese tenha tido vista integral dos autos conforme termo de vista de fls. 1890-v.
                                   Posteriormente, em 26.07.2013, os autos são novamente encaminhados ao Ministério Público o qual ofereceu parecer às fls. 1892-1893, quando só então arguiu de falsidade dos documentos apresentados.

                                   Dispõem os arts. 372 e 390 do CPC:

Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar, no prazo estabelecido no artigo 390, se lhe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindose, com o silêncio, que o tem por verdadeiro.
(...)
Art. 390. O incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o documento, suscitálo na contestação ou no prazo de dez dias, contados da intimação da sua juntada aos autos.

                                   Portanto, a arguição de falsidade documental levada a efeito pelo Ministério Público foi feita de forma intempestiva, uma vez que tendo tomado conhecimento da juntada em 22.06.2013 (FLS. 1890-V), somente o arguiu de falsidade em 05.08.2013, muito depois do prazo legal de 10 (dez) dias constante do art. 390 do CPC, operando-se a preclusão temporal, motivo pelo qual não merece acolhida.

                                   Por outro lado, os documentos juntados aos autos às fls. 392/1862, demonstram que, ao contrario do que alegado pelo Ministério Público, houve sim licitação, na modalidade CONVITE, para a aquisição dos produtos listados às fls. 03/05 da inicial.

                                   Destaco que soa como incoerente o Ministério Público em um primeiro momento alegar a inexistência de procedimentos licitatórios e, após a juntada da documentação correspondente suscitar, agora, a nulidade dos procedimentos, o que ademais feriria a ampla defesa do requerido que se defendeu de imputação diversa.

                                   Por fim, cumpre destacar que os atos administrativos gozam de presunção de veracidade e legitimidade, presunção relativa, porém, que demandaria a demonstração inequívoca em contrário, por parte do Ministério Público, fato que não ocorreu nos presentes autos, onde o Ministério público limitou-se a apontar – e de forma intempestiva – indícios de nulidade das licitações.

Por tais motivos, não tenho como demonstrado nos autos a primeira imputação relativa a realização de despesas sem o correspondente procedimento licitatório, devendo o réu ser absolvido de tal imputação.

QUANTO À ALEGAÇÃO DE FRAGMENTAÇÃO DE DESPESAS E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO

                                   Sustenta o Ministério Público que o requerido, durante a sua gestão no ano de 2002, teria fracionado despesas que, em verdade, deveriam ter sido feitas em conjunto e concomitantemente, como é o caso de aquisição de peças de reposição para veículos, material para a construção civil, material impresso de informática, gêneros alimentícios e material de limpeza, material escolar, material de expediente e medicamentos, tendo listado às fls. 06-12, todas as despesas com dispensa indevida de licitação, de forma que com o referido fracionamento os valores individuais de cada contrato não ultrapassem os limites da licitação dispensada (R$ 8.000,00).
                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   No presente caso, o Ministério Público lista um total de 79 (setenta e nove) contratações que teriam sido levadas a efeito no exercício financeiro de 2002, pelo requerido, com dispensa indevida de licitação através de fragmentação de despesas, o que teria gerado um desvio orçamentário de R$ 241.341,31 (duzentos e quarenta e um mil, trezentos e quarenta e um reais e trinta e um centavos).

                                   Nada obstante, a prova produzida nos autos demonstra que na realidade das contratações listadas pelo Ministério Público às fls. 06-12, apenas 03 (três) ocorreram com dispensa de licitação em razão do valor (fls. 380-391), quais sejam:

1)     em 30.12.2002, Rainha Com. De Alimentos Ltda, valor R$ 1.302,85, (Aquisição de Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza);
2)     em 10.05.2002, M. F. MInohara Comércio, valor R$ 207,41, (Aquisição de Peças de Reposição para Veículos);
3)     em 10.05.2002, José Abdon Oliveira Marinho, valor R$ 3.900,00, (Aquisição de Material para Construção Civil).


As demais constam dos autos, de forma que não se pode falar em dispensa indevida de licitação quanto a estas últimas.( fls. 392 a 1862)
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
A Lei nº 8.666, de 1993, em seu art. 23, § 5º, veda o fracionamento de despesa.
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
§ 5o É vedada a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”, respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.

O fracionamento se caracteriza quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa, ou para efetuar contratação direta.
Por exemplo, a lei impede a utilização da modalidade convite para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços de idêntica natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços. Da mesma forma, a utilização de várias tomadas de preços para se abster de realizar concorrência.
Em outras palavras, é vedada a utilização de modalidade inferior de licitação ou da dispensa de licitação quando o somatório do valor a ser licitado caracterizar modalidade superior ou despesa superior ao limite de R$ 8000,00 (Lei nº 8666/92, art. 24, I e II).

No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a dispensa de licitação relativamente à aquisição de produtos que individualmente não superam o limite de dispensa previsto no art. 24, II da Lei nº 8666/93, mas que no conjunto com todas as aquisições de produtos idênticos ou de mesma natureza, superam em muito àquele limite de forma que estar-se diante de fracionamento ou fragmentação de despesas com vistas a obter dispensa indevida de licitação, fato que encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Colho dos autos que relativamente à aquisição de produtos de Gêneros Alimentícios e Materiais de Limpeza, o requerido dispensou licitação em 30.12.2002, no valor de R$ 1.302,85, quando já havia contratado mais de R$ 85.000,00 em produtos de mesma natureza, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 388-391.

Relativamente à aquisição de Peças de Reposição para veículos, o requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 207,41, quando já havia contratado mais de R$ 18.000,00 em produtos de mesma natureza, só até o mês de abril/2002, alcançando o total de mais de R$ 54.000,00, no exercício inteiro, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 380-383.

Relativamente à aquisição de Material de Construção, o requerido dispensou licitação em 10.05.2002, no valor de R$ 3.900,00, tendo gasto quase R$ 10.000,00 no exercício inteiro em produtos de mesma natureza, via licitação modalidade Convite, conforme comprovam os documentos de fls. 384-387.
Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 5.410,26 (cinco mil, quatrocentos e dez reais e vinte e seis centavos), correspondente ao somatório das despesas efetuadas com dispensa indevida de licitação.

                        O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mediante fragmentação de despesas com vistas à obter a contratação direta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de dispensa de licitação, tendo chancelado todo o procedimento conforme se verifica dos documentos de fls. 381, 385 e 389.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

DA REALIZAÇÃO DE REPASSE A MENOR PARA A CÂMARA DE VEREADORES

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2002 efetuou repasse a menor dos duodécimos constitucionais para a Câmara de Vereadores uma vez que deveria ter repassado 8% da receita tributária e transferências efetivamente realizadas no exercício anterior, porém, somente procedeu à transferência de 7,75%, em afronta ao art. 29-A, I da CF.
                                   Dispõe o referido dispositivo:
Art. 29A. O total da despesa do Poder Legislativo municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
I – 7% (sete por cento) para municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes;

Como sabido, o município de João Lisboa possui e possuía no ano de 2002, população inferior a 100 mil habitantes.

Portanto, o repasse para a Câmara Municipal a título de duodécimos deveria atingir o montante de 7% e não 8% como alega o Ministério Público em sua inicial e o Relatório de Informaçoes Técnicas do TCE nº 200/2004 (fls. 42).

Sendo assim, resta evidenciado que ao contrario do que alega o autor, houve repasse de duodécimos a maior e não a menor já que o valor correto do repasse seria de R$ 377.115,44, tendo sido repassado segundo o referido relatório que embasou a inicial o valor de R$ 417.923,75 (quatrocentos e dezessete mil, novecentos e vinte e três reais e setenta e cinco centavos).
Por sua vez, as guias de repasses anexadas às fls. 1895-1906, da qual constam o recebimento pelo presidente da Câmara de Vereadores à época revelam o repasse de R$ 391.511,96.

Portanto, restou demonstrado nos autos que houve um repasse a maior do que aquele constante da obrigação constitucional (art. 29-A, I, CF), num montante demonstrado nos autos de R$ 14.396,52.

Em um ou outro caso, resta evidenciada a gravidade da conduta que configura, inclusive, crime de responsabilidade:

Art. 29A. O total da despesa do Poder Legislativo municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
(...)
§ 2º Constitui crime de responsabilidade do Prefeito municipal:
I – efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo;
II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III – enviálo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.

De fato, colhe-se dos autos que o requerido, na condição de Prefeito do Município de João Lisboa (mandato de 2001 a 2004), efetuou repasse à Câmara Municipal das cotas duodecimais no ano de 2002, em valor superior aos definidos no art. 29-A, I da CF, sem demonstração que tenha havido restituição do saldo.

                        A ilegalidade resta evidenciada nos autos pela violação aos princípios da administração pública ( legalidade e moralidade), sendo dispensável a prova do prejuízo.

                        Nesse sentido:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado em razão de aplicação de percentual inferior ao estabelecido pela Constituição Federal para o pagamento de profissionais do magistério. Improbidade configurada. CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. CABIMENTO E APLICABILIDADE DA LEI N. 8.429/92. Agentes públicos são todas as pessoas que desempenham função pública em todos os seus níveis e hierarquias, em forma permanente ou transitória, por eleição popular, designação direta, por concurso ou por qualquer outro meio legal. ILÍCITO CONFIGURADO. IMPROBIDADE RECONHECIDA. Aplicação e destinação dos recursos do FUNDEF no ensino fundamental em percentual inferior a 60% da receita municipal no pagamento dos profissionais do magistério. Inobservância dos parâmetros mínimos exigidos pelo artigo 60, § 5º, do ADCT. Repasse de duodécimos à Câmara Municipal em percentual superior ao previsto no artigo 29-A, inciso I, da Constituição Federal. Comprovação dos fatos pela conclusão do Tribunal de Contas do Estado que rejeitou as contas apresentadas pelo Prefeito Municipal. ELEMENTO SUBJETIVO. Suficiente existência da prova da culpa ou dolo do agente. Meios de prova determinam a convicção motivada acerca da improbidade administrativa. Relatório da equipe técnica do Tribunal de Contas aponta para a destinação de apenas 47,09% da receita do FUNDEF para o ensino fundamental, não observando o mínimo exigido de 60%. Reincidência. Identificação de reiterada conduta, ou seja, quarto exercício consecutivo de destinação de valor inferior ao mínimo. Afastada a alegação de mera falta de habilidade administrativa do ex-prefeito. Configurada a hipótese de má utilização de recursos públicos. Indevido repasse à Câmara Municipal de quantia equivalente a 8,25% da receita do Município, sem restituição de saldo, violando regra do artigo 29-A, inciso I, da Constituição Federal.SANÇÕES. Inocorrência de efetivo dano ao erário não inibe a imposição da sanção, que esteve bem aplicada pelo julgador ao afastar a pena de multa, aplicando as sanções na perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três anos e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de três anos. Dosimetria correta. Razoabilidade e proporcionalidade diante das circunstâncias que envolvem o caso concreto, especialmente a reincidência do agente público pelo quarto exercício consecutivo, o que expressa e identifica a gravidade do ato improbo.Negado provimento ao recurso.
(TJ-SP - APL: 142437220088260323 SP 0014243-72.2008.8.26.0323, Relator: José Maria Câmara Junior, Data de Julgamento: 24/10/2012, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 24/10/2012)


A conduta do requerido violou flagrantemente o previsto no art. 168 da Constituição da República, o qual obriga o Poder Executivo a repassar a quantia previamente atribuída em lei orçamentária anual a cada um dos Poderes, nos seguintes termos:

"Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhe-ão entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º."
Diante disto, entendo ser inquestionável a subsunção do ato do apelante nas hipóteses do art. 11 da Lei n.º 8.429/1992, "in verbis":

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (...)."
Porém, é necessária certa prudência na interpretação das normas ali inseridas, já que sua amplitude importa em risco para o magistrado, induzindo-o a tachar de ímprobas condutas puramente irregulares. Assim, deve restar demonstrado dolo, má-fé, desonestidade do administrador atrelada à afronta a princípio constitucional da Administração Pública, para se admitir a imposição de penalidades àquele.
Oportuna, nesse momento, a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em sua obra Direito Administrativo, 15.ed., p.689, acerca da necessária presença de dolo ou má-fé do agente, em situações como a analisada:
“No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.”
Recordo, ainda, as palavras da eminente Ministra ELIANA CALMON, no julgamento do REsp n. 534.575-PR, DJ 29.03.2004:
O art. 11 respaldou-se na CF para indicar os deveres impostos ao administrador, destacando-se assim a honestidade, a imparcialidade, a legalidade e a lealdade às instituições.
Entretanto, a conduta comissiva ou omissiva não pode ser culposa, exigindo-se o dolo como elemento subjetivo e indispensável à configuração do tipo. O agente público precisa estar, conseqüentemente, consciente de que viola esses deveres.
Na figura do inciso I, o agente tem por objetivo, ao praticar o ato, atingir um fim ilícito ou proibido, muito embora não haja enriquecimento ilícito capaz de causar prejuízo ao erário. O tipo não contempla tal particularidade, que, se existir, levará a tipificação para os arts. 9º ou 10.
A figura em exame contempla duas situações:
a) o agente pretende atingir um finalidade ilícita;
b) o agente pratica um ato com desvio de finalidade, em outras palavras, o ato é praticado em desacordo com a vontade legal, mas também com consciente violação de um dever. (Destacamos)
Vale conferir julgado do colendo STJ, verbis:
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.
2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial.
3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa.
(omissis)
6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito. (omissis). (REsp 480387/SP, Ministro LUIZ FUX, DJ 24.05.2004)
De igual forma tem decidido o TJMG:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPASSE. DUODÉCIMO. ATRASO. DOLO. NEGLIGÊNCIA. DANO PATRIMONIAL. AUSENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
Improcedente a pretensão inicial desta ação civil pública, quando não se verifica prova segura de que o réu, quando no exercício do cargo de Prefeito do Município de Resplendor, agiu com dolo ou negligência ou acarretou prejuízo ao erário, no repasse atrasado de duodécimos à Câmara Municipal, a possibilitar o reconhecimento de improbidade administrativa. Rejeita-se a preliminar e dá-se provimento à apelação. (APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0543.04.911037-1/002 - COMARCA DE RESPLENDOR - Relator Desembargador ALMEIDA MELO - Julgamento 23.03.2006 - Data da Publicação: 28.03.2006) (Destacamos)
Confesso que não detectei, no caso, dolo, má-fé ou desonestidade do réu, ou seja, não ficou comprovado, por força do artigo 333, I, do CPC e do artigo 17, § 6º, da Lei n.8.429, de 1992, que o ex-Prefeito Municipal de João Lisboa tinha a intenção de atingir fim ilícito ou proibido quando do repasse a maior de duodécimo à Câmara Municipal. Também não vislumbrei qualquer dano ao erário.

O próprio relatório de informações técnicas que embasou a inicial apresenta números desconformes quanto aos valores e percentuais que realmente deveriam ter sido repassados à Câmara Municipal, pois a inicial imputa um repasse a menor, levando em consideração um percentual de 8% do total de Receita Tributária e Transferências, percentual esse que inexiste no art. 29-A da CF que prevê um repasse de 7%.
Já as provas trazidas aos autos revelam que houve um repasse superior ao previsto na Constituição, o que também revela uma ilegalidade. Porém, má-fé e desonestidade, não há como concluir com o acervo probatório trazido para os autos. Fico a me questionar: qual o interesse do prefeito de transferir mais dinheiro para a Câmara via duodécimos? Estou convencido de que se está diante de típico caso de inabilidade ou incompetência, não de desonestidade.
Sendo assim, ausente o elemento subjetivo do dolo, presente mera culpa derivada de imperícia ou imprudência, não tenho como demonstrado todos os elementos do tipo do art. 11 da LEI nº 8429/92.

APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA EDUCAÇÃO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 16,93%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal.

Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 35,07% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 983.227,52 (16,93%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.451.535,22 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89).
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 6,99% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.
Também os recursos do FUNDEF foram gastos de maneira ilegal uma vez que devendo gastar 60% com magistério e 40% com outras despesas, o fez somente no percentual respectivo de 41,18% e 54,77%.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Por tais, razões tenho por configurado o ato improbo imputado ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.


APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA SAÚDE

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2002 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 13,86% quando na verdade foi aplicado tão-somente 5,52%, violando assim, o art. 77, §1º do ADCT.

Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior fornecimento de medicamentos, adoção de programas de prevenção ou contratação de profissionais de saúde.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 12,45% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 77 do ADCT:

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
(...)
 III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão eleválos gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Saúde Municipal o valor de R$ 320.893,09 (5,52%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 804.731,12 (13,86% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.806.140,89).
Como se não bastasse o município durante toda a gestão do requerido até o ano de 2002, ou seja, nos exercício de 2001 e 2002, jamais atingiu os percentuais mínimos de aplicação em saúde, o que revela que não se está diante de simples descumprimento, mas de reincidência, o que revela o dolo do agente.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na saúde da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à saúde em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Por tais razões, tenho por configurado o ato improbo imputado ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.

AUSENCIA DE LEI AUTORIZANDO OU DECRETO FIXANDO O VALOR DO PAGAMENTO DE DIÁRIAS

Sustenta o Ministério Público que o réu efetuou despesas com pagamento de diárias para si e para pessoas ocupantes de cargos na administração sem a existência de diplomas legais que autorizem a realização de gasto público, bem como, sem qualquer comprovação do interesse público a justificar referido dispêndio.
Tais despesas foram descritas na tabela de fls. 16-17, num total de R$ 13.485,00.
Em suas alegações finais, o requerido infirmou as acusações e indicou a existência de um DECRETO Nº 01/2001, de 01.01.2001 que disporia acerca da concessão de diárias no serviço público municipal da Administração Direta e Indireta (fls. 377-379).

Analisando a imputação, os argumentos de defesa e as provas trazidas para os autos, observo que de fato o réu fez juntar às fls. 377-379, um decreto de concessão de diárias no município de João Lisboa/MA.

Entretanto, nesse caso, entendo que não deve prevalecer a presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo, pois o mesmo não revela a força probante necessária para demonstrar a regularidade da despesa.
Com efeito, observo que o referido documento veio desacompanhado do necessário anexo a que o seu corpo faz referência logo no seu artigo primeiro, impossibilitando a aferição de eventual correspondência entre os valores pagos a título de diárias para o requerido e para o servidor Francisco Alves Silva, únicos destinatários de tais verbas no exercício de 2002.
Ademais, o réu sequer juntou aos autos a cópia do Diário Oficial em que teria sido publicado tal ato.
Não fosse o suficiente, entendo que o referido documento esta eivado de sério vício que compromete sua validade, pois às fls. 379, consta como data de subscrição do documento pelo chefe do executivo municipal o dia 01.01.2005, quando restou incontroverso nos autos que o mandato do réu findou-se em 2004, e as imputações constantes da presente demanda referem-se ao ano de 2002, tudo a indicar que o referido documento constitui-se em uma fraude, motivo pelo qual não reconheço nele nenhum valor probatório.
Portanto, também aqui restou exaustivamente demonstrada a desonestidade no modo de proceder do réu relativamente às verbas públicas do município de João Lisboa.
Ao liberar verbas para pagamento de diárias para o Sr. FRANCISCO ALVES SILVA, num total de R$ 3.985,00, sem lei ou ato normativo autorizativo, incorreu no tipo previsto no art. 10, IX da LIA:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito de terceiro e prejuízo ao erário.

Ao liberar verbas para pagamento de diárias para si próprio, num total de R$ 9500,00, sem lei ou ato normativo autorizativo, incorreu no tipo previsto no art. 10, IX da LIA:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar a realização de despesas sem autorização legal ou regulamentar, gerando enriquecimento ilícito de próprio e prejuízo ao erário.

Por tais razões, tenho por configurado os atos ímprobos imputados ao requerido, previstos no art. 10, IX (duas vezes), da Lei nº 8429/92.

DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 10, VIII; art. 10, IX (2x) e art. 11, caput, (2x), todos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a fragmentação de despesas com dispensa indevida de licitação, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 5.410,26 (cinco mil, quatrocentos e dez reais e vinte e seis centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
b)    Pelos atos descritos no art. 10, IX, da Lei 8.429/1992, referentes a CONCESSÃO DE DIÁRIAS PARA SI, sem autorização legal ou regulamentar, CONDENO-O a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 9.500 (nove mil e quinhentos reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor, apropriou-se indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Condeno, por fim, em perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu devendo os mesmos serem devolvidos à municipalidade, no valor de R$ 9.500,00 (nove mil e quinhentos reais), por ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
c)     Pelos atos descritos no art. 10, IX, da Lei 8.429/1992, referentes a CONCESSÃO DE DIÁRIAS PARA TERCEIRO, sem autorização legal ou regulamentar, CONDENO-O a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 3.985,00 (três mil, novecentos e oitenta e cinco reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor, permitiu que terceiro se apropriasse indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
d)    Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação constitucional (CF, art. 212), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do ensino da Educação Pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo prefeito desta urbe no ano de 2002, valor que não é ínfimo e nem exagerado e guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
e)     Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA SAÚDE MUNICIPAL, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação constitucional (art. 77, III e §1º do ADCT), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do serviço público de saúde prestado no âmbito municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo prefeito desta urbe no ano de 2002, valor que não é ínfimo e nem exagerado e guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.


Em face do resultado do julgamento, confirmo os efeitos da cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido deferida às fls. 297-301, limitando, entretanto, o quantum indisponível para o valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações para tornar indisponíveis os bens imóveis do réu, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local,  da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA e São Luís/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

A liquidação da presente sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 20 de agosto de 2014.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa