Autos
n°. 6482010
Ação de
Usucapião imóvel Rural
Requerente:
SILVANE PEREIRA DOS SANTOS
Requerido:
ANTONIO GOMES DE ABREU
SENTENÇA
Vistos, em correição.
SILVANE PEREIRA DOS SANTOS, já qualificado, ajuizou a
presente ação de Reintegração de Posse em desfavor de ANTONIO GOMES DE ABREU,
alegando, em síntese, que há mais de vinte anos initerruptos é possuidor manso
e pacífico de uma área de 13 (treze) ha (hectares) na Fazenda Sussuapara,
registrada no Cartório da cidade de Amarante-MA, sob o n.º de ordem 10.592, de
fls 66/67 do livro 03-M.
Afirma que habita e cultiva a referida área rural há mais
de vinte anos de forma mansa, pacífica, initerrupta e de boa-fé, e que no local
existem ainda marcos divisórios originais feitos por seu pai, antecessor na
posse.
Em sede de contestação (fls. 31/33) o requerido ANTONIO
GOMES DE ABREU controverte os fatos afirmando que o autor não preenche os
requisitos do Usucapião; que há cerca de 20 anos o pai do autor plantou uma
roça na propriedade do requerido e desde então não realizou qualquer outra
benfeitoria; que a área em litígio funciona como reserva nativa da propriedade
do réu uma vez que encontra-se às margens do riacho Casa Só; que em 2004, o
requerido foi surpreendido com uma derrubada de vegetação promovida pela pai do
autor, o SR. Germano, mas o requerido ajuizou uma ação de interdito proibitório
em 2006 a qual findou-se em 2010; que a referida ação possessória é suficiente
para demonstrar o não preenchimento do requsito temporal; que não é verdade que
o requerente resida com a família no local.
Juntou documentos de fls. 35-47, dentre os quais uma
escritura pública de compra e venda da área em litígio, datada de 02.12.1972.
Eventuais interessados foram citados por edital (fls. 56)
Devidamente intimadas, a fazenda pública federal e
municipal não manifestaram interesse na lide (fls. 53 e 57-61), fazenda
estadual quedou-se inerte (fl. 62).
Após citação por edital de eventuais interessados não
houve manifestação (fls. 55/56).
Às fls. 63, proferi despacho saneador, oportunidade em
que fixei como pontos controvertidos a demonstração dos requisitos do usucapião
extraordinário: lapso temporal, inexistência de oposição e animus domini, tanto
do requerente quanto do seu genitor, já que deseja unir eventuais posses, tendo
designado audiência de instrução (fls. 63).
Audiência de Instrução às fls. 72/77, oportunidade em que
foram ouvidas 04 testemunhas e um informante, tendo sido declarado o
encerramento da instrução e intimadas as partes para apresentação de alegações
finais em forma de memoriais.
Alegações finais do requerido (fls. 87/92), tendo sido
desentranhadas a do requerente por intempestivas (fl. 100-v).
Parecer do Ministério Público pela improcedência da ação
(fls. 102/104)
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Trata-se na espécie de Ação de Usucapião de imóvel Rural
onde o autor alega habitar e cultivar o referido imóvel por si e por seus
antecessores há mais de 20 (vinte) anos, de forma mansa e pacífica, contínua e
sem oposição e com “animus domini”, sobre a área, exercendo ali atividade
produtiva e lá morando com sua família.
A Usucapião define-se como modo originário de aquisição
da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada
pro requisitos estabelecidos em lei. Várias são as modalidades de Usucapião previstas
no ordenamento: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO, USUCAPIÃO ORDINÁRIO, USUCAPIÃO ESPECIAL
CONSTITUCIONAL E USUCAPIÃO COLETIVO DO ESTATUTO DA CIDADE.
Dispõe o art. 1238 do Código Civil:
Art. 1.238. Aquele
que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquire‑lhe a
propriedade, independentemente de título e boa‑fe;
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título
para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O
prazo estabelecido neste artigo reduzir‑se‑a a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel
a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter
produtivo.
Dois elementos sempre estão presentes em qualquer
modalidade de Usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual, além da visibilidade
do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais,
previstas no art. 1238 do Código Civil: prazo de 15 anos, sem interrupção(posse
contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini).
Especificamente em relação ao usucapião extraordinário, no
presente caso verifico que não há clara demonstração dos requsiitos para
aquisição originária da propriedade.
Com efeito, conforme se viu adiante, o autor da ação deveria
demonstrar a sua posse mansa, pacífica e continua pelo prazo mínimo de quinze
anos retroativamente ao ajuizamento da presente demanda.
Sucede que a análise da prova produzida nos autos não
permite a aferição de tal lapso temporal.
Por conseguinte, tendo a ação sido ajuizado em
28.10.2010, deveria restar demonstrado nos autos a posse do autor, bem como dos
seus antecessores desde pelo menos 28.10.1995.
Entretanto, as provas produzidas durante a instrução não
apontam, com o grau de certeza que se faz necessário, para o preenchimento de
tal requisito, conforme se observa nos depoimentos da tetemunhas:
“(...)
que no ano de 1972 ou 1973 tomou conhecimento que Luiz Cantuária vendeu sua área
para o requerido; que não sabe dizer se Luiz Cantuária já tinha vendido a área
para Germano Cachoeira (...)”(DEPOIMENTO DE PEDRO NEIVA CARREIRO, fls. 74)
“(...)
que é filho do requerido; que teve conhecimento através de seu pai que o mesmo
adquiriu a terra do senhor Luiz Cantuária em 1972; Que Germano fez uma roça no
local e depois cercou o local(...); que a cerca ficou no local por todos esses
anos, porém, nem Germano nem seu filho trabalharam na terra por esses tempos,
vindo a fazê-lo somente em 2005 quando foi feito um açude no local(...) (DEPOIMENTO
DE FABRICIO SOBRINHO, fls. 75)
Tais informações são corroboradas pela escritura pública
que comprova que o requerido adquiriu a área por compra feita ao Senhor Luiz
Cantuária ainda no ano de 1972.
Por outro lado, a instrução somente revelou que o autor
SILVANE veio efetivamente a ter posse do imóvel no ano de 2005, sendo
importante observar que em 15.09.2006, o autor ajuizou uma ação de interdito
proibitório contra o pai do requerente, GERMANO CACHOEIRA, demonstrando
efetivamente a sua oposição séria contra a ocupação por parte do requerido,
conforme se verifica nos autos do processo nº 643/2006 (812006), fato que
inegavelmente afasta a qualificação do requsito temporal como posse mensa e pacífica:
“(...)
que possui uma terra vizinha a área em litígio; que chegou no local há uns 12
anos atrás; que quando chegou já observou que as margens do rio onde fica a área
em litígio já havia uma capoeira; que o depoente não viu roça no local e nem
pasto de animal; que somente há aproximadamente 04 anos atrás o depoente passou
a vê que no local havia capim e um açude; que depois de vê o capim começou a
observar que o Sr. Silvane passou a colocar o gado no local(...) que não sabia
de quem era a área até a mesma ser roçada(..) que Silvane mora em uma casa dentro
da fazenda de seu pai que fica ao lado da área em litígio; (...) que não sabe
quem é o dono da área mas sabe que o SILVANE trabalha na área; (...) que soube
que houve o ajuizamento de uma ação na justiça em função dessa área(...) (DEPOIMENTO
DE RAUL BARROS, FLS. 76)
Portanto,
não há como reconhecer a presença de requisitos do Usucapião para a declaração
de aquisição da propriedade pelo requerido, já que o mesmo, não se desincumbiu
de seu ônus probandi, pois não conseguiu demonstrar com prova robusta sequer o
requisito temporal, bem como, porque o requerido fez prova de que não houve
posse mansa e pacífica por parte do autor, mas sim, houve a demonstração de séria
oposição por parte do sujeito passivo via interditos proibitório datado do ano
de 2006.
Inexistindo
posse contínua e sem interrupção, ficou interrompido eventual prazo de contagem
para a Ação de Usucapião, pois ocorreu oposição eficaz por parte do títular da
propriedade contra quem corre a Usucapião.
DO USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL
Também
não se pode reconhecer eventual Usucapião Especial Constitucional previsto no
art. 191 da Constituição Federal e art. 1.239 do Código Civil, que exigem
determinados requisitos para serem deferidos àqueles que o perseguem, senão
vejamos.
Colaciono os dispositivos legais:
“Art.
191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de
sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”
“Art. 1.239. Aquele
que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não
superior a cinquenta hectares, tornando‑a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir‑lhe‑á a
propriedade.”
Em simples análise dos dispositivos constatam-se os
requisitos para aquisição de propriedade de terra rural: a) Posse initerrupta
por no mínimo 5 (cinco) anos ; b) Sem oposição; c) Área não superior a 50 ha
(hectares); d) Produtividade da terra; e) Moradia na Área, f) Não ser
Proprietário de Imóvel Rural ou Urbano.
A análise desses requisitos deve ser feita com base nas
provas produzidas nos autos, mormente testemunhal, em seu conjunto harmônico e em
cotejo com o conjunto sistemático de requisitos constitucionais.
É necessário constar que a ausência de um único requisito
dentre os supra elencados desautoriza a aquisição da área em litígio, tendo em
vista que o usucapião rural só se efetiva com o preenchimento de todos os
requisitos acima.
Assim, os depoimentos das testemunhas apontam que o
requerente não satisfaz os requisitos ‘b’ , ‘e’ e ‘f’ conforme acima
classificado para fins pedagógicos de compreensão senão vejamos:
Quanto ao requisito ‘b’ (Sem oposição):
“(...)Que tem conhecimento que houve o ajuizamento de uma ação na
justiça em função dessa área (...)” (Depoimento da testemunha RAUL RODRIGUES
BARROS, fl. 76)
No que pertine ao requisito ‘e’ (ter moradia na área):
“(...)Que o Silvane mora em uma casa dentro da fazenda de seu pai
que fica ao lado da área em litígio (...)” (Depoimento da testemunha RAUL
RODRIGUES BARROS, fl. 76)
Por fim, quanto ao requisito ‘f’ (Não ser Proprietário de
Imóvel Rural ou Urbano):
“(...)Que Silvane possui uma casa na sede de Amarante, um caminhão
e uma moto (...)” (Depoimento da testemunha ANTONIO DOS REIS ARAÚJO DE SOUSA,
fl. 73)
“(...)
Que o autor possui uma casa na Rua Bonfim Teixeira e além disso possui um
caminhão e uma moto (...)” (Depoimento do informante GERMANO PEREIRA DOS
SANTOS, pai do autor, fl. 77)
Ademais, o requerido juntou à fl. 94 cópia de pedido de
aforamento de terreno urbano localizado na Rua Bonfim Teixeira realizado pelo
requerente junto ao Município de Amarante do Maranhão datada de 05 de Abril de
1988, coadunando-se com o depoimento prestado pelo genitor do autor.
Diante dessas considerações, outro caminho não resta
senão a improcedência da ação, tendo em vista o não preenchimento na totalidade
dos requisitos constitucionais para a aquisição da propriedade rural.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação e todos os pedidos deduzidos
na inicial, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais e constitucionais
para a concessão do pleito e JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO,
com base no art. 269, I do CPC.
Condeno o autor ao pagamento de Custas e Honorários
Advocatícios ao advogado do réu, que fixo em R$ 678,00 (seiscento e setenta e
oito reais) tendo em consideração o disposto no art. 20, §4º do CPC.
P.RI.C
Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa
definitiva no sistema
Amarante
do Maranhão/MA, 12 de abril de 2013.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão/MA