segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

SENTENÇA FURTO QUALIFICADO. AFASTA NULIDADE DE EXAME PERICIAL. PROCEDÊNCIA



Processo n.º 976/2012
Autor: Ministério Público Estadual
Réu:  DARKS GAVIÃO LIMA

S E N T E N Ç A


I- RELATÓRIO

O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de DARKS GAVIÃO LIMA, qualificados às fls. 02, como incursos nas sanções do art. 155, §1º e §4º, IV do CPB, uma vez que o mesmo subtraiu para si, no dia 17.10.2012, um botijão de gás, um pacote de feijão e um pouco de carne mediante escalada e rompimento de obstáculo à subtração da coisa, da casa da vítima. ZELIA CARVALHO DA SILVA,

A denúncia foi recebida em 09.11.2012, fls. 31.

O acusado foi devidamente citado às fls..33-v, tendo-lhe sido nomeado defensor dativo às fls. 34-35.

O réu apresentou defesa preliminar às fls. 38-54, oportunidade em que suscitou nulidades decorrentes da ausência de realização de corpo de delito e desqualificação dos peritos ad hoc nomeados pelo autoridade policial uma vez que os mesmos não possuem curso superior, além de serem policiais civis que participaram do inquérito policial.

Foi mantido o recebimento da denúncia às fls. 56 e designada audiência de instrução.
Audiência de instrução às fls. 61-65, oportunidade em que foram ouvidas três testemunhas e em seguida procedeu-se ao interrogatório do acusado, oportunidade em que o acusado confessou a prática delitiva.
Não foram requeridas diligências.
As partes apresentaram alegações finais, tendo o Ministério Público pugnado pela condenação do acusado nos termos  da inicial e a defesa pleiteou a anulação do processo tendo em vista as nulidades decorrentes da ausência de realização de corpo de delito e desqualificação dos peritos ad hoc nomeados pelo autoridade policial uma vez que os mesmos não possuem curso superior, além de serem policiais civis que participaram do inquérito policial ou subsidiariamente a absolvição do acusado tendo em vista o principio da insignificância.
É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

DAS NULIDADES SUSCITADAS PELA DEFESA.

Em sede de alegações finais, o defensor do acusado suscitou nulidade do processo decorrentes de: 1) a ausência de realização de corpo de delito e; 2)  desqualificação dos peritos ad hoc nomeados pelo autoridade policial uma vez que os mesmos não possuem curso superior, além de serem policiais civis que participaram do inquérito policial.

Quanto à nulidade decorrente da ausência de realização de exame pericial de corpo de delito sobre o botijão de gás

Suscita a defesa a nulidade do processo decorrente da ausência de realização de exame pericial de corpo de delito sobre o botijão de gás apreendido nos autos. Segundo o defensor deveria a autoridade policial enviar o objeto apreendido para o ICRIM com vistas a realização de exame pericial sobre os vestígios. Fundamenta seu pleito no art. 158 do CPP.
Sem razão.
Com efeito observo que a defesa confunde “corpo de delito” com o “exame de corpo de delito”.
Aquele consiste do próprio objeto que no presente caso é a res furtiva; este por sua vez é o conjunto de elementos que constatam a existência do crime, ou seja, portanto, a sua demonstração ou comprovação judicial, com todas as respectivas circunstâncias. Nem todas as materialidades constituem, portanto corpo de delito, mas só aquelas imediatamente ligadas à consumação criminosa.
Por conseguinte, tenho por desnecessária a realização de exame pericial sobre a res furtiva, pois a sua apreensão já revela a materialidade delitiva, uma vez que a vítima reconheceu prontamente o objeto como de sua propriedade e o próprio acusado confessou a subtração, não tendo a defesa sustentado em qualquer momento que o objeto não pertenceria à vítima de forma que eventual perícia não se afigura imprescindível para a demonstração da subtração da res furtiva.
Afasto a nulidade arguida.

Quanto à nulidade decorrente da nomeação de peritos sem curso superior e integrante do quadro policial

Suscita a defesa, ainda, em sede de alegações finais a nulidade da perícia uma vez que realizada por peritos não oficiais e não portadores de diploma de curso superior.
Sem razão.
Com efeito, o art. 159, §1º do CPP possibilita a nomeação de peritos não oficiais desde que possuam afinidade com objeto da perícia.
Assim, ainda que não haja qualificação de perito para o exame, foram nomeados dois policiais civis que, indubitavelmente, possuem habilitação técnica para aferir que os vestígios deixados na parede da casa da vitima e no telhado apontam para o modo de execução do delito como sendo por escalada e com rompimento de obstáculo.

Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente do STJ:

CRIMINAL. HC. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A PORTE DE ARMA. NULIDADE DO AUTO DE CONSTATAÇÃO DE EFICÁCIA DA ARMA. CONDENAÇÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS DOS AUTOS. PERSISTÊNCIA DA FIGURA TÍPICA DO ART. 14, DA LEI N.º 10.826/03. ORDEM DENEGADA.
I Hipótese em que, embora não haja a qualificação dos peritos designados para o referido exame, foram nomeados dois policiais civis para a realização da perícia, profissionais que ostentam, inegavelmente, habilidade técnica para aferir a potencialidade ofensiva do revólver apreendido.
II.Não obstante o laudo técnico ter reconhecido o péssimo estado de conservação do artefato, os peritos lograram êxito ao disparar dois tiros com a arma de fogo examinada, o que demonstra a sua capacidade de efetuar disparos, bem como o potencial lesivo dos cinco cartuchos intactos apreendidos.
III. Laudo pericial que não foi a única razão da procedência da representação, mas sim, a existência de um conjunto probatório que permitiu ao julgador formar convicção no sentido da existência do ato infracional imputado ao menor.
IV Em condições como a dos autos, esta Corte vem entendendo que a eventual nulidade do laudo pericial – ou mesmo sua ausência - não descaracteriza o crime previsto no art. 14 da Lei n.º 10.823/06.
V.Ordem denegada. (HC 65.837/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 5/2/07)

Afasto a preliminar arguida.

Da Imputação Inicial.

Ao réu foi imputada a prática do crime previsto no art. 155,§1º e §4º, IV do Código Penal Brasileiro.
Inicialmente registro a impossibilidade de cumulação do parágrafo primeiro do art. 155 do CP com o parágrafo quarto.
Nesse sentido ROGÉRIO GRECO afirma: “(...) destaque-se, também, o fato de que a majorante em estudo somente se aplica ao furto simples, não sendo permitida a causa de aumento nas hipóteses de furto qualificado. Isto porque de acordo com a situação topográfica do parágrafo sub examen, fosse intenção da lei aplica-lo também Às modalidades qualificadas, o aumento relativo ao repouso noturno deveria vir consignado posterioemente ao parágrafo 4º do art. 155 do Código Penal.” (CÓDIGO PENAL COMENTADO, ed. Impetus, fls. 615).

A materialidade está comprovada com o lastro probatório coligido aos autos, ou seja, a confissão, as provas testemunhais, bem como pelo termo de apreensão de fls..10 e laudo de exame pericial em local de crime de fls. 13-14.
.
A autoria também restou indene de dúvidas, pois o réu confessou os fatos que lhe são imputados, e descreveu com riqueza de detalhes as ações, tendo os objetos sido encontrados e entregue à vítima.. As testemunhas arroladas pelos Ministério Público, ouvidas em Juízo, também afirmaram a existência de delito e os indícios de autoria contra a pessoa do acusado:

“(...) que na manhã do dia 17.10.2012 ao retorna para a sua residência constatou que a casa estava destelhada e que tinham levado um recipiente de Coca-Cola de 2 L contendo em seu interior feijão, 1 kg de carne e um botijão de gás; (...) que o acusado é vizinho da vítima e que em sua residência foi encontrado um botijão de gás pertencente a depoente; que o pai do acusado entregou o feijão para a depoente, pois entregou o mesmo também no interior de sua residência(...) (DECLARAÇÕES DA VITIMA, fls. 64)

“(...) que ao chegar em casa encontrou com sua esposa Zéliae a mesma mostrou que a casa estava destelhada e com a ripa quebrada e com marcas de escalada na parede e disse que havia sido furtado um botijão de gás, um feijão e uma carne; (...) que a polícia chegou abordou o acusado tendo este negado, mas em seguida o botijão de gás foi encontrado atrás do guarda-roupa da casa do acusado; que o pai do acusado permitiu que Zélia procurasse o feijão que também foi encontrado dentro do guarda-roupas (...) (DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FLORENCIO SOUSA, fls. 62)

“(...) QUE o acusado negou o cometimento do delito; que oo depoente solicitou permissão para fazer uma revista na casa e o acusado permitiu e acompanhou a revista; que dentro da residência atrás de um guarda-roupas foi encontrado um botijão de gás; que o acusado disse que o botijão era do seu pai; que o depoente chamou a vítima e ela reconheceu o botijão como sendo de sua propriedade(...) (DEPOIMNENTO DE EDVAN AZEVEDO, fls. 63)


Assim, pelos depoimentos das testemunhas não resta dúvida acerca do cometimento do delito pelo qual o acusado foi denunciado, principalmente, porque houve confissão, tudo em harmonia com o depoimento das testemunhas.

Dessa forma, a autoria restou indene de dúvidas, não há motivos para duvidar de que o fato denunciado ocorreu da forma narrada pelas testemunhas, além de ter havido confissão.
Por todas as considerações acima, não se pode aplicar o princípio in dubio pro reo, já que pelo lastro probatório coligido aos autos não resta qualquer dúvida, seja quanto à autoria ou quanto à materialidade delitiva.

O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado e constitui-se no dolo de subtrair coisa móvel alheia, mediante escalada e rompimento do telhado da casa da vítima, conforme se vislumbra das declarações da vítima e da confissão.

Quanto à tese da defesa de que o caso seria atípico diante da aplicação do princípio da insignificância, a mesma não pode prosperar já que a aplicação de tal princípio deve ser norteado pelo preenchimento de requisitos já estabelecidos pelo jurisprudência do STF e STJ não derivando tão somente da análise objetiva dos valores dos objetos subtraídos.

Segundo as Cortes Superiores são requisitos para o reconhecimento do princípio da Insignificância: MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO, REDUZIDÍSSIMO GRAU DE REPROVAÇÃO DO COMPORTAMENTO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA.

No presente caso, verifico que a ofensividade da conduta foi relevante para o patrimônio da vítima já que um botijão de gás tem grande valor para quem reside na periferia de uma cidade pobre do interior da Maranhão.
A ação imputada ao acusado tem periculosidade social e retira a tranquilidade dos moradores locais. Ademais, as testemunhas ouvidas em juízo tem o acusado como pessoa dada a prática de condutas semelhantes cujo comportanto social é tido como reprovável.
Nesse sentido se manifestou o STJ no Informativo nº 467:

PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. POLICIAL.
O paciente, policial militar, fardado e em serviço, subtraiu uma caixa de bombons de um supermercado, colocando-a dentro de seu colete à prova de balas. vê-se, assim, não ser possível aplicar o princípio da insignificância à hipótese, visto não estarem presentes todos os requisitos necessários para tal (mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovação do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada). Apesar de poder tachar de inexpressiva a lesão jurídica em razão de ser ínfimo o valor dos bens subtraídos (R$ 0,40), há alto grau de reprovação na conduta do paciente, além de ela ser relevante para o direito penal; pois, aos olhos da sociedade, o policial militar representa confiança e segurança, dele se exige um comportamento adequado, dentro do que ela considera correto do ponto de vista ético e moral. Anote-se que a interpretação que se dá ao art. 240, § 1º, do CPM (que ao ver do paciente justificaria a aplicação do referido princípio) não denota meio de trancar a ação penal, mas sim que cabe ao juízo da causa, após o processamento dela, analisar se a infração pode ser considerada apenas como disciplinar. Precedentes citados do STF: HC 84.412-0-SP, DJ 19/11/2004; HC 104.853-PR, DJe 18/11/2010; HC 102.651-MG, DJe 30/6/2010; HC 99.207-SP, DJe 17/12/2009; HC 97.036-RS, DJe 22/5/2009; do STJ: HC 141.686-SP, DJe 13/11/2009. HC 192.242-MG, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 22/3/2011.


III – DISPOSITIVO.

Por todo o exposto, julgo procedente a denúncia, para condenar o réu DARKS GAVIÃO LIMA, nas sanções do art. art. 155, §4º, II, IV do CPB.
Passo à fixação das penas cabíveis na espécie.


FIXAÇÃO DA PENA-BASE – Art. 59 do CPB.

Em análise da culpabilidade, concluo que o grau de reporvabildiade da sua conduta é alto já que provavelmente praticou o delito com o fim de obter pecúnia para aquisição de entorpecentes. Sobre os antecedentes, não existe registro de outra condenação, portanto, o réu é portador de bons antecedentes. A conduta social não é boa, já que sobre ele recai a suspeita de outros delitos de mesma natureza. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime foram reprováveis, eis que só pensou na obtenção do lucro fácil. As circunstâncias do crime não são favoráveis ao réu. As conseqüências do crime não foram graves, tendo em vista que a maior parte da res furtiva foi restituída à vítima. Sobre o comportamento da vítima, esta não contribuiu para o evento delituoso.

Diante da análise supra, em sendo as condições judiciais favoráveis, fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

ATENUANTES E AGRAVANTES/ CAUSAS DE DIMINUIÇÃO OU AUMENTO
Vislumbro as atenuantes da confissão e da reparação do dano antes da condenação, porém, deixo de reduzir a pena tendo em vista que fora fixada no mínimo legal (Súmula nº 231 do STJ).

Não existem circunstâncias agravantes, causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual, torno a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, na razão de 1/30 do salário-mínimo por dia-multa.
Em atenção ao disposto no art. 387, §2º do CPP (§ 2o  O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)), comuto a quantidade de tempo de cumprimento de prisão provisória (17.12.2012 a 25.02.2013), totalizando 04 meses e 08 dias, remanescendo 01 ano e 07 meses e 22 dias de reclusão em regime aberto.
Para regime de cumprimento pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime aberto, nos termos do que determina o art. 33, §2º, c do CPB.

Presentes os requisitos, substituo as penas aplicadas por prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo e multa (art. 44, § 2°, do Código Penal Brasileiro). EXPEÇA-SE ALVARÁ DE SOLTURA.

Arbitro a título de honorários advocatícios aos advogados dativos do acusado, DR. JIMMY DEYGLISSON SILVA DE SOUSA, OAB/MA 11.426, o valor fixado na tabela de honorários elaborada pelo Conselho Seccional da OAB, de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais) correspondente à participação como advogado do réu em processo penal de rito ordinário, conforme orientação da Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Maranhão, tendo em vista a inexistência de Defensor Público com atuação nesta Comarca. Intime-se o Estado do Maranhão.


Transitada em julgado a sentença:

a) seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais;
b) oficie-se ao local de cumprimento da pena restritiva de direitos, no sentido de informar a pena imposta ao réu, bem como que informe este Juízo, mensalmente, sobre o efetivo cumprimento da mesma;
c) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
d) Expeça o que mais for necessário.

P.R.I.

Amarante do Maranhão, 25 de fevereiro de 2013.

 


Glender Malheiros Guimarães

Juiz de Direito Titular



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

DECISÃO LIMINAR. TRATAMENTO DE SAÚDE FORA DO DOMICÍLIO. DEFERIMENTO


Autos Nº 1222013 - ACP

DECISÃO

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em substituição processual a VITÓRIA MARQUES DOS SANTOS SILVA contra do Município de Senador La Rocque, onde alega, em síntese, que a menor é portadora paralisia cerebral cujo tratamento demanda o uso contínuo do medicamento Depakene e Gardenal além de comparecimento bimestral a cidade de Teresina – PI para realização de consulta e exames médicos.

Pediu, assim, em sede de antecipação de tutela, a concessão de R$ 2.151,00 (dois mil cento e cinqüenta e um reais) a cada 2 (dois) meses além do adicional de R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais) a cada 4 (quatro) meses para custear o tratamento e a obtenção de medicamentos, ante a impossibilidade material da requerente.

Juntou documentos (fls. 10/21).

É o que basta a relatar. Decido.

Assente a legitimidade processual do Ministério Público a teor do inc. II do art. 129 da CF, notabilizando-se o atendimento à saúde “serviço público essencial”.

A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. (...). Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa." (RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 30/05/03)

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela Constituição da República (art. 196).

Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e implementar — políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles em condições especiais, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.

O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional — situação peculiar àquela apresentada no caso subjudice, mormente quando o Município de Senador La Rocque, deixa de disponibilizar tratamento intensivo a paciente que dele, urgentemente, necessita.

Destarte, a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Constituição Federal.

O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas públicos de atendimento a pessoas carentes, notadamente quanto a menor presumivelmente necessitada (CF art. 227), o qual se encontra sob risco de perecimento de saúde e vida, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade, desprestigiados pela omissão do Poder Público.

E por assim ocorrer, mostrando-se plausíveis os elementos de cognição constantes dos autos (doc. 10/20), de rigor tomar em evidência os argumentos expendidos para dar relevo ao interesse primário da menor, evidenciado pelo direito indisponível à vida (e à saúde como seu consectário lógico), sotopondo o interesse público, deveras tripudiado pelo Município de Senador La Roque.
Por fim, cumpre salientar que é incabível qualquer alegação do município relacionada a limitação orçamentária derivada da “Teoria da Reserva do Possível” uma vez que a mesma não pode ser invocada como escusa para cumprimento de direitos fundamentais tal como no caso em apreço.
Sob o pálio destas informações, razoável antecipar os efeitos da tutela, nos termos do art. 273, I, do CPC, eis que plausíveis a verossimilhança das alegações e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, fundamento pelos quais DETERMINO que seja PROVIDENCIADO a quantia equivalente a R$ 2.151,00 (dois mil cento e cinqüenta e um reais), no prazo de 05 (cinco) dias, cuja a obrigação deverá ser satisfeita a cada 2 (dois) meses, além de R$ 630 (seiscentos e trinta reais) a cada 4 (quatro) meses para custear o exames médicos e clínicos e obtenção de medicamentos (descritos em laudo médico de fls. 16/17/18) de VITÓRIA MARQUES DOS SANTOS SILVA, conforme Portaria 55/1999, do Ministério da Saúde, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (UM mil reais), nos termos do art. 461 do CPC.
NOTIFIQUE-SE o DD. Secretário Municipal de Saúde ou Secretário Adjunto, ou quem sua vezes fizer, na Secretaria Municipal situada à Rua José Alves de Carvalho, centro nesta cidade.

CITE-SE o Município Senador La Rocque (MA) para apresentar contestação no prazo de 60 dias e, no mesmo ato INTIME-SE-LHE desta decisão, servindo a mesma de mandado.

Cumpra-se.
Intime-se.
Senador La Rocque (MA), 18 de fevereiro de 2013.

GLENDER MALHEIROS GUIMARAES
JUIZ DE DIREITO
Respondendo por Senador La Roque