PROC.
517/2008
SENTENÇA
1- RELATÓRIO.
CHARLEIS BARBOSA BARROS e FRANCISCO
PEREIRA CAVALCANTE, através de advogado constituído, ajuizou a
presente AÇÃO DE RESPONSABIIDADE CIVIL
POR ATO ILÍCITO, em face de VANDERLY GOMES MIRANDA, pelos fatos e
fundamentos expendidos a seguir.
Que
os requerentes são genitores de PAULO JUNIO BARROS CAVALCANTE, nascido em 28.11.2006,
tendo sido privados do convívio com o seu filho em 29.07.2008, por volta das 16:30h,
quando o mesmo faleceu vitima de acidente de trânsito ocorrido na Rua 31 de
março, próximo ao Forum desta cidade, tendo como causa mortis “parada cárdio-respiratória,
traumatismo crânio encefálico” em decorrência de atropelamento em via pública
pelo veículo GM/D20 CUSTOM S, PLACAS BNO 4451, ANO 1993/1993, CHASSI 9BG244NAPPC025149,
conduzida pelo requerido VANDERLY GOMES MIRANDA, qualificado às fls. 02.
Afirma
que a vítima possuía apenas 01 ano e 08 meses na época do acidente e que gozava
de perfeita saúde e que tal fato privou os autores do amor, carinho e alegria
de ter o filho consigo, fato que lhes causou profunda dor, diante da perda de
um ente querido, suscetível de reparação por danos morais.
Imputa
a responsabilidade do acidente a culpa
exclusiva do condutor do veículo uma vez que segundo o laudo do “auto de verificação
de local de acidente de trânsito” o fato teria “como a causa o fato de condutor
da unidade V1 está conduzindo seu veículo do lado da via de mão inapropriado ao
sentido de direção” e pelo fato do condutor trazer consigo na cabine do veículo
sua filha de 02 anos de idade, o que provaria que o requerido agiu com culpa
grave consistente em imprudência e negligência.
Pleiteia,
ainda, danos materiais no valor de R$ 169.320,00 (cento e sessenta e nove mil,
trezentos e vinte reais) valor correspondente a 51 anos de trabalho com
percepção de renda de 2/3 do salário mínimo vigente à época do sinistro.
Juntou
documentos de fls. 10-25.
Devidamente citado, o requerido apresentou
contestação oportunidade em que alegou que o acidente não se deu como descrito
na inicial uma vez que o requerido não agiu com imprudência ou negligência uma
vez que não trafegava na contramão, nem acima da velocidade permitida e não
estava distraído sendo que sua filha menor estava em cadeira própria; que o
acidente se deu por culpa exclusiva dos representantes da vítima, em especial
de sua genitora que se encontrava numa calçada conversando com vizinhos; que a
Rua 31 de março tem tráfego nas duas mãos; que houve culpa exclusiva dos
representantes da vítima, tanto que o pai do menor atribuiu a responsabilidade
à mãe do menor, em plena via pública, uma vez que o menor saíra correndo no
intuito de atravessar a rua e se encontrar com a mãe que estava do outro lado
da via; que o requerido trafegava dentro da velocidade permitida e com as cautelas
necessárias; que o menor saiu detrás de uma árvore para atravessar para o lado
contrário da rua, momento em que veio a entrar na frente do veículo deste que
freio mas não conseguiu evitar o acidente; que tal conclusão conta do auto de
verificação de local de acidente; que tal fato é corroborado com a conclusão de
que no momento do acidente a criança se encontrava 0.90 m da calçada, ou seja,
no meio da via de trânsito; que em relação a alegação de que o requerido
trafegava distraidamente por levar sua filha menor no interior do veículo
também é inverídica uma vez que a mesma se encontrava em uma cadeira apropriada
para crianças, não contribuindo de qualquer maneira para o fato; que não estão
presentes os requisitos da responsabilidade civil; que inexiste nexo causal
entre a conduta do requerido e o dano sofrido pelos autores; que no caso restou
evidenciada a culpa exclusiva da vítima; que inexiste ato ilícito imputável ao
requerido; que poderia ter ocorrido, no máximo, culpa concorrente; que é
incabível o requerimento de pensão vitalícia; que inexiste dano moral
indenizável uma vez que não há responsabilidade imputável ao requerido;
finaliza requerendo a improcedência da ação.
Às
fls. 45 realizou-se audiência preliminar a qual restou infrutífera, tendo este
juízo determinado o apensamento da ação penal respectiva. Às fls. 47, o
requerido juntou declaração do município indicando a inexistência de
sinalização vertical ou horizontal na Rua 31 de março e fls. 48 juntou nota
fiscal de compra de cadeira Galzerano.
Às
fls. 50-55, o autor apresenta réplica oportunidade em que reafirma os fatos
constantes da inicial e impugna os documentos juntados às fls. 47 e 48.
Às
fls. 58 foi designada audiência de instrução a qual somente se realizou no dia
12.04.2012, oportunidade em que foram ouvidas duas testemunhas da parte autora,
na mesma assentada foi deferido o requerimento de prova emprestada da ação
penal nº 533/2008, uma vez que naquela ação os autores funcionaram como
assistentes de acusação.
Às
fls. 85, realizou-se audiência de continuação, oportunidade em que as partes
declararam não ter outras provas a produzir em audiência, motivo pelo qual foi
declarada encerrada a instrução.
Às
fls. 89-98, os autores apresentaram alegações finais oportunidade em que
reafirma a culpa exclusiva do requerido que trafegava do lado da via de mão
inapropriado ao seu sentido de direção e trazendo uma menor de dois anos na
cabine de seu veículo sem acondicionamento adequado; que o art. 29 do CTB
revela que requerido deveria está circulando pelo lado direito da pista de
rolamento, motivo pelo qual requer a procedência da ação.
Às
fls. 100-102, o requerido apresenta alegações finais reafirmando os termos da
contestação afirmando a inexistência de culpa por parte do requerido, a
absolvição da seara penal, a inexistência de ato ilícito imputável ao
requerido, motivo pelo qual requer a improcedência da ação. Juntou documentos
de fls. 103-108, qual seja, a cópia da assentada criminal da ação penal que já
foi deferida como prova emprestada.
Vieram os autos
conclusos para sentença.
Eis o breve relato dos fatos. Passo a
decidir.
2 - DA FUNDAMENTAÇÃO
JURÍDICA.
2.1.
MÉRITO
O
direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a
obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário
àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.
Reza
o art. 927 do Código Civil:
"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito
(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar
o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem".
Definem
os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:
"Art. 186 - Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 - Também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes" (grifo nosso).
Por
conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir
danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem
como ser moral.
O
dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve
o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:
"Art. 5º - Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (grifo nosso).
PRESSUPOSTOS
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para a configuração da responsabilidade
civil, necessário se faz a demonstração da presença dos elementos da
responsabilidade civil, quais sejam: a conduta (comissiva ou omissiva), o
evento danoso, a culpa e nexo de causalidade. Deve ainda inexistir qualquer
causa excludente da responsabilidade civil.
CONDUTA
A
responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter
como elemento essencial uma conduta.
Maria
Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo,
ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou
de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".
Portanto,
podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo,
voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da
natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente,
quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação
absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o
agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.
No
presente caso, restou devidamente demonstrada a conduta comissiva imputável ao
requerido na medida em que restou incontroverso nos autos que o requerido
dirigia o veículo que trafegava na Rua 31 de março e colidiu com a vítima,
conforme se observa da contestação:
“ (...) Neste momento o requerido trafegava corretamente
pela rua 31 de março, utilizando-se da velocidade permitida, bem como das
cautelas necessárias. Porém, o menor saiu detrás de uma árvore para atravessar
para o lado contrário da rua, momento em que veio a entrar na frente do veículo
deste, o que impediria qualquer reação por parte do requerido (...)”.
No
mesmo sentido o auto de verificação do local de acidente de trânsito de fls.
11-12:
“(...) O V1 trafegava na via pública 31 de março no
sentido Prefeitura local, e conforme os relatos das testemunhas a vítima saiu
bruscamente de dentro de sua residência no intuito de atravessar a via para ir
ao encontro de sua mãe que se encontrava do outro lado da via, lhe aguardando,
porém ao tentar atravessar a via, inadvertidamente, foi atropelada às margens
da via pública a 90 (noventa) centímetros do meio fio do lado de sua
residência, mesmo o veículo V1 tendo tido os freios acionados o mesmo não foi
suficiente para parar o veículo a tempo de não atropelar a vítima, o impacto do
atropelamento atingiu a cabeça da vítima e posteriormente o V1 passou por cima
do corpo da mesma, porém desta vez não atingindo haja vista o corpo ter ficado
na posição entre as rodas do V1.(...)”
EVENTO DANOSO
O
dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade
civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de
valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou
física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de
ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano
autorizado pelo direito.
O
dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o
patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens
materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima
razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano
moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade
(ex.: honra, imagem etc.).
O
dano resta devidamente configurado através do atestado de óbito de fls. 14,
onde consta como causa mortis PARADA CÁRDIO RESPIRATÓRIA, TRAUMATISMO CRÂNIO
ENCEFÁLICO (VÍTIMA DE ATROPELAMENTO EM VIA PÚBLICA, NESTA CIDADE) e do exame
cadavérico de fls. 15.
CULPA EM SENTIDO LATO
A
noção jurídica de culpa abarca tanto a idéia de dolo, como a idéia contida na
fórmula da “negligência, imprudência e imperícia”.
Por
dolo entende-se o propósito de causar dano a outrem.
Já
por culpa em sentido estrito, entende-se a inobservância de uma norma de
conduta, seja por negligência (falta de cuidado por conduta omissiva),
imprudência (falta de cuidado por conduta comissiva) ou imperícia (falta de
habilidade no exercício de atividade técnica), que leva a um resultado não
desejado, qual seja, a violação de um dever jurídico, ,causando dano a outrem.
O
conceito jurídico de culpa evoluiu, de modo a surgir o que chamam hoje de
“concepção normativa de culpa”. Por essa concepção, a culpa passou a ser
entendida como “o erro de conduta”, de modo que age com culpa aquele que age
fora dos padrões de conduta esperados. Desse modo, para verificar se houve erro
de conduta ou não (se houve culpa ou não), deve-se comparar a conduta concreta
do agente causador do dano com a conduta que teria adotado o homem-padrão.
Ou
seja, adota-se um modelo de comportamento esperado, baseado no parâmetro
romanista do bonus pater famílias (o homem médio, prudente), e o compara
com o comportamento do agente causador do dano, aferindo, assim, se esse agiu
com culpa ou não.
Portanto, a culpa se
caracteriza quando há a violação de um dever objetivo de cuidado que se espera
do homem médio. Sua caracterização depende da aferição dos chamados ELEMENTOS
DA CULPA, quais sejam:
1) conduta voluntária
e resultado involuntário;
2) previsão ou previsibilidade
do resultado;
3) falta de cautela,
cuidado, diligência.
No presente caso os requerente
imputam ao requerido duas modalidades de culpa: a imprudência uma vez
que o requerido estaria trafegando na contramão da pista de rolamento ou do
lado esquerdo do sentindo de direção infringindo normas de transito e a negligência
uma vez que estaria trazendo consigo sua filha de 02 anos de idade na cabine do
veículo sem o necessário assento.
No caso em análise é
evidente que o requerido trafegava em seu veículo de maneira voluntária tendo
se envolvido em acidente de trânsito de maneira involuntária.
É evidente também que
descumpriu o seu dever de cuidado objetivo uma vez, sem qualquer motivo
explicitado nos autos, trafegava pelo
lado esquerdo da pista de rolamento infligindo normas de trânsito.
Entretanto, cumpre
observar que a situação em que trafegava, ou seja, em velocidade compatível com
a via ( conforme se infere dos depoimentos das testemunhas colhidos na
instrução) em uma via de dupla mão de direção, conforme demonstrado a partir da
declaração da municipalidade de fls. 47, não lhe era previsível no caso concreto antever que uma criança de tenra
idade (01 ano e 08 meses de vida), desacompanhada de seu responsável (pai, mãe,
avós, babá, etc) e sem a vigilância de qualquer pessoa, saísse “bruscamente de
dentro de sua residência com o intuito de atravessar a via e ir ao encontro de
sua mãe que se encontrava do outro lado” (fls. 11 e 12) não permitindo ao
requerido o tempo de reação necessário para evitar o atropelamento, em que pese
o acionamento do sistema de freios do veículo.
Também os autores não
lograram êxito em revelar de que forma o fato de o requerido trazer consigo na
cabine do veículo sua filha teria contribuído para o acidente.
Previsível é tudo
aquilo que tem probabilidade de acontecer, não sendo razoável taxar como
provável a brusca tentativa de uma criança de tenra idade de atravessar a rua,
desacompanhada e sem vigilância dos pais ou responsáveis. No caso deve
prevalecer o princípio da confiança, de forma que tal situação revela-se como
excepcional.
Para Sérgio Cavalieri
Filho a idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso
que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que
tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo
com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil
subjetiva.
Caio Mário da Silva Pereira
destaca: A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar,
fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui
para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a
gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador
daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos
requisitos ou de certas características. Assim considerando, a teoria da
responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou
de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a culpa,
abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente. [...]
Segundo Carlos
Roberto Gonçalves: Para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de
provar dolo ou culpa stricto
sensu do agente, segundo a
teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil.
Sendo
assim, desde meu olhar, não se infere a culpa imputada ao agente.
NEXO DE CAUSALIDADE
O
nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta
praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem
sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias
causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas
são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942
do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram
para o resultado danoso.
Porém,
diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas teorias
a respeito:
a) TEORIA
DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON:
estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o
prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se
suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.
b) TEORIA
DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o
resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de
circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O
dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.
A
análise das provas colacionadas aos autos me conduzem à conclusão de que de
fato o evento morte decorreu do atropelamento pelo veículo conduzido pelo
requerido, entretanto, vislumbro na espécie uma causa de rompimento do nexo
causal, qual seja: a culpa exclusiva da vítima.
INEXISTÊNCIA
DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE
A
responsabilidade civil será elidida quando presentes determinadas situações,
aptas a excluir o nexo causal entre a conduta e o dano causado ao particular,
quais sejam a força maior, o caso
fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
A
força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento
imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio,
uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o Estado se torna incapacitado
diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que,
por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais
danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.
Já
na hipótese de caso fortuito, o dano decorre de ato humano, gerador de
resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por
ser um acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela
vontade humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a
exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.
O
estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade. Ocorre
quando há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como
guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em
favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder
discricionário.
A
culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa excludente
da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de causalidade,
visto que o requerido não pode ser responsabilizado por um fato a que, de
qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém
poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não
concorreu.
No
caso dos autos, em que pese os autores terem tentado imputar a responsabilidade
pelo óbito da vítima exclusivamente ao requerido, entendo que a conduta da
vítima – uma criança de apenas 01 ano e 08 meses de vida - de sair correndo de sua casa, atravessar bruscamente a pista de rolamento
em direção a sua genitora que se encontrava na margem oposta da via,
desacompanhada de qualquer responsável e sob nenhuma vigilância, revela ao
contrário do sustentado na inicial revela culpa exclusiva da vítima e grave
omissão de seus responsáveis os quais podiam e deviam agir para evitar o
resultado, bastando que não permitissem que o menor estivesse desacompanhado,
sem qualquer vigilância e com as portas da casa abertas a permitirem a sua
saída para o evento danoso:
“que o veículo passou na frente da depoente, nada lhe
chamou a sua atenção, ou seja, o requerido não vinha em uma velocidade que
chamasse a atenção da declarante; que logo em seguida observou quando a criança
Paulo Junior, de dois anos de idade, ia saindo do portão da casa de sua avó
materna, sozinho, “na carreira”; que quando o carro bateu na criança estava no
asfalto; que a mãe da criança estava sentada na calçada do muro do Forum; que
não sabe dizer se a autora deixou a criança sob os cuidados de algum adulto;
que o requerido prestou socorro para o menor (...) (depoimento da testemunha LUCIANA
SILVA, fls. 78)
“(...) QUE não recorda exatamente o dia, mas recorda que
nesse dia retornava de sua colégio em companhia de uma amiga chamada Kaliane
quando parou na calçada do forum para conversa com Dina, irmã da autora e a
autora; que passados alguns minutos ouviu quando Dina comentou que o carro
tinha passado por cima de uma pedra; que logo em seguida observaram que a criança ora vítima saiu rolando por debaixo
do carro(...) que não sabe dizer onde se encontrava a criança quando a depoente
conversava com a mãe em frente ao Forum; que a velocidade do veículo não chamou
a atenção da depoente; que o local do atropelamento foi próximo ao meio fio das casas que ficam em
frete ao fórum; (...) que não sabe dizer se Chaleis possuía babá que cuidasse do
seu filho; que não sabe explicar porque a criança que na época tinha
aproximadamente 02 anos estava andando sozinha na rua; que explicita que o
acidente ocorreu em frente a casa da avó materno da criança; que os avós
maternos estavam em casa e logo saíram gritando de dentro de casa em atitude de
desespero (...)(depoimento de ALICE
CONCEIÇÃO, fls. 79)
Assim,
pelos depoimentos colacionados, restou evidenciada a culpa exclusiva da vítima e
a omissão relevante dos responsáveis legais da criança os quais, por lei, tem a
obrigação de cuidado, proteção e vigilância, podendo, em tese, até caracterizar
uma delito comissivo por omissão, nos termos do art. 13, §2º, a do CPB.
DOS
DANOS MATERIAIS
Quanto aos
danos materiais pleiteados, consistentes no arbitramento de pensão mensal aos
requerentes, em função da presunção de contribuição que o filho menor daria à
família, também seguem a mesma sorte da análise supra dos requisitos da
responsabilidade civil.
Assim,
havendo rompimento do nexo causal por culpa exclusiva da vítima e de terceiros,
inexiste o dever de indenizar.
3- DO DISPOSITIVO.
Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a
presente demanda.
Condeno ainda os autores que custas e despesas
processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 1000,00, a teor do que
dispõe o art. 20, §4º do CPC, porém, dispenso o pagamento tendo em vista que
neste momento defiro os benefícios da justiça gratuita.
P. R. I.
Amarante do Maranhão, 19 de junho de 2012.
Glender Malheiros
Guimarães
Juiz de Direito Titular
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