quarta-feira, 23 de novembro de 2011

LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. SALÁRIOS. DEFERIMENTO

Proc. 1090/2011


Impetrante: SUZAMAR FEITOSA
Impetrado PREFEITO MUNICIPAL DE BURITIRANA/MA


                                      Vistos etc,
                                      Defiro a gratuidade da Justiça (art. 5º da Lei nº 1060/50).

                                      SUZAMAR FEITOSA, qualificada a fls. 02 dos autos, representada por advogado, impetrou o presente mandado de segurança contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE BURITIRANA, alegando, em síntese:
A impetrante é servidora pública municipal ocupando o cargo efetivo de agente comunitária de saúde, do quadro de pessoal estatutário do município, conforme Decreto de nomeação em anexo, estando regularmente investida no referido cargo (fls. 17)
Desde o mês de junho do corrente ano teve irregularmente retidos os seus vencimentos, conforme se verifica nos extratos bancários anexados (fls. 18-19), situação que perdura até a presente data;
Tentou resolver administrativamente o impasse, inicialmente junto ao seu chefe imediato, mas este não soube lhe explicar o que ocorria. Posteriormente, procurou a diretoria de recursos humanos do Município tendo recebido informação advinda da DIRETORA, Sra. ONILDE DOS SANTOS REIS, que ela não mais receberia salários pois teria sido exonerada pelo PREFEITO MUNICIPAL, em virtude de a servidora ser presidente da Delegacia Sindical dos Agentes Comunitários de Saúde do Município e por ter em várias oportunidades discordado do método de administração da autoridade dita coatora;
Afirma que em que pese não está recebendo salários, nunca deixou de exercer as atribuições do seu cargo, conforme faz prova os relatórios de acompanhamento das famílias dos meses de julho a outubro de 2011;
Conclui que a percepção de seus salários constitue-se em uma garantia constitucional conforme previsão no art. 7º, X da CF/88 e que o ato da autoridade impetrada ofende princípios básicos da administração pública como o princípio da legalidade e garantias constitucionais como a do devido processo legal;
Requer a concessão de liminar no sentido de obter determinação judicial para o pagamento dos vencimentos retidos da servidora SUZAMAR FEITOSA desde o mês de julho de 2011, uma vez presentes o fumus boni iuris diante da flagrante ilegalidade do ato e do periculum in mora  tendo em vista a natureza alimentar da presente demanda.
No mérito requer a confirmação da liminar com o deferimento definitivo da segurança pleiteada.

                                      É o relatório. Decido.

                                      O controle de atos administrativos pelo Judiciário é mais restrito que aquele que se opera pela própria Administração Pública, pois ao Judiciário somente cabe analisar a legalidade do ato, o fazendo à partir da análise de cada um dos elementos que compõe o ato administrativo impugnado, portanto, somente pode ser dar quando se evidencia uma ilegalidade.
                                      Analisando-se detidamente os fatos e provas trazidos com a presente impetração, verifico que a impetrante foi regularmente investida no cargo efetivo de Agente Comunitária de Saúde do Município de Buritirana no dia 06.06.2008, conforme decreto nº 138/2008 (fls. 17).
                                      Percebo, ainda, que a impetrante desde sua investidura vem exercendo sua atribuições regularmente, percebendo um salário bruto de R$ 651,00 (seiscentos e cinquenta e um reais), conforme documentos de fls. 14-16.
                                      Nada obstante, constato a partir dos extratos bancários de fls. 18-19 que o último salário depositado na conta-corrente da impetrante, pelo município de Buritirana/MA, foi creditado no dia 25.06.2011 no valor líquido de R$ 585,90 (quinhentos e oitenta e cinco reais e noventa centavos).
                                      Avançando a análise da documentação que acompanhou a inicial da presente impetração, observo que a impetrante, em que pese não está percebendo contraprestação pecuniária, continuou a exercer suas atribuições no meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2011, conforme se verifica dos RELATÓRIOS DE SITUAÇÃO DE SAÚDE E ACOMPANHAMENTO DAS FAMÍLIAS NA ÁREA/EQUIPE (FLS. 20-23).
                                      Evidente que a pretensão da impetrante merece tutela estatal.
                                      O Poder Judiciário deve atentar com maior afinco às questões que garantam a todas as pessoas seus direitos e garantias fundamentais que, na lição de Alexandre de Moraes[1] se destinam a todos, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, como é o caso em tela, conforme se transcreve abaixo:

“Assim, o regime jurídico das liberdades públicas protege tanto as pessoas naturais, brasileiros ou estrangeiros no território nacional, como as pessoas jurídicas, pois têm direito à existência, à segurança, à propriedade, à proteção tributária e aos remédios constitucionais.”

                                      Logo, todas as pessoas são destinatárias dos direitos e garantias individuais, entre os quais se inclui o direito ao contraditório, ampla defesa e motivações das decisões, inclusive na esfera administrativa, conforme expressamente prevê o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988.
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro­priedade, nos termos seguintes:
(...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contradi­tório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

                                      Frise-se, por oportuno, que os direitos e garantias individuais são direitos conhecidos na doutrina como direitos negativos, ou seja, são direitos que visam, precipuamente, impedir o cometimento de arbitrariedades pelo Estado, garantindo o exercício de direitos pelos cidadãos, impondo ao Poder Estatal a observância estrita da legalidade, não podendo de sua linha tênue desequilibrar, sob pena de responder pelas conseqüências nas esferas administrativa, civil e criminal.
                                      Nesse mesmo diapasão, o não atendimento pelo Poder Judiciário ao pleito liminar da Impetrante não seria capaz de garantir a efetividade futura da decisão de mérito, o que não se pode consentir perante eventuais lesões a normas jurídicas fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, sendo de rigor a suspensão dos efeitos do ato impugnado, qual seja, a determinação de não pagamento de salários da impetrante, uma vez que tal administrativo não atendeu a dois dos requisitos que devem preencher todos os atos administrativos:  FORMA e MOTIVO, devendo, dessa forma, seus efeitos serem suspensos, nos termos do art. 7º, III da Lei nº 12016/2009.
                                      A medida liminar pleiteada pela impetrante deve ser concedida, uma vez que a ausência de forma escrita e de motivação, aliada à inexistência de procedimento administrativo que garanta a impetrante uma ampla defesa e garantia de contraditório, inquina de vício o ato administrativo impugnado, na medida em que dois dos seus elementos não foram preenchidos.
Ato administrativo de tal monta, não mais se coaduna com os ares democráticos em que vivemos, merecendo, portanto, controle por parte do Poder Judiciário.
                                      Nesse diapasão, a Lei nº 12016/2009, em seu art. 7º. III,  autoriza o juiz ao despachar a inicial do Mandado de Segurança, determinar a suspensão do ato impugnado como medida cautelar a resguardar o direito líquido e certo alegado pela impetrante
Art. 7º  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
                                      Da mesma forma a Constituição Federal de 1988, em redação que se repete no art. 1º da Lei nº 12016/2009:

Art. 5º. Omissis.
(...)
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.”

“Art. 1º  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

                                      Feitas tais considerações, entendo presentes os requisitos do fumus boni iuris, consistente na prova pré-constituída que demonstra a ausência de pagamento de salários à impetrante e também a normas fundamentais do ordenamento jurídico, em clara ofensa a direito líquido e certo da impetrante e o periculum in mora, consistente no risco que a demora na prestação jusrisdicional possa causar danos de difícil ou incerta reparação, ante a ausência de remuneração da impetrante, verba de natureza estritamente alimentar.
                                      Esclareço que não desconheço a óbice legal constante do art. 7º, §2º da Lei nº 12016/09 relativamente à proibição de concessão de liminar em sede de mandado de segurança determinando o pagamento de qualquer natureza em relação à Fazenda Pública em regra semelhante à constante do art.1º da Lei nº 9494/97 e art. 1º da Lei nº 8437/92.
Entretanto, dou interpretação conforme a Constituição à tal regra para interpretá-la em consonância com o disposto no art. 7º, X da CF/88, valendo-me da chamada “FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO” para protegendo a garantia da percepção de salários, dar ao dispositivo legal uma hermenêutica de que a vedação legal limita-se a abster-se de conceder o pagamento de vencimentos atrasados, não havendo óbice a concessão de liminar que determine o restabelecimento do status quo ante, ou seja, o retorno imediato do pagamento de salários.
Nesse colaciono precedente do TJMA:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. DISPONIBILIDADE ENTRE ÓRGÃOS ESTADUAIS. CONTROVÉRSIA NA ASSUNÇÃO DO ÔNUS DE PAGAMENTO DE VENCIMENTOS. SUPRESSÃO DE SALÁRIO. RESTABELECIMENTO. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. SITUAÇÃO PECULIAR. MANUTENÇÃO DE SITUAÇÃO EXISTENTE. LEI N. 9.494/97. INAPLICABILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL. I - A percepção de vencimentos pelo exercício do cargo é regra da Administração Pública brasileira, que desconhece cargo sem remuneração pecuniária; II - a vedação à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, nos moldes do disposto no art. 1º da Lei 9.494/97 e nos arts. 5º, parágrafo único, e 7º, da Lei 4.348/64, não se aplica à hipótese de restabelecimento de vencimentos ilegalmente suprimidos; III - em situações peculiares, ou seja, quando não se trate de aumento ou extensão de vantagens ou vencimentos, mas sim de manutenção de situação existente, não se aplica o entendimento sobre a impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Precedentes do STJ; IV - a pretensão de reaver vencimentos atrasados, em sede de liminar contra a Fazenda Pública, encontra óbice no art. 1º da Lei n. 9.494/97; V - agravo de instrumento parcialmente provido. (TJMA, AI 290692008, Rel. Cleones Carvalho Cunha, j. 05/02/2009)


         Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR E DETERMINO A SUSPENSÃO do ATO ADMINISTRATIVO DA AUTORIDADE COATORA que determinou a suspensão do pagamento do salário da impetrante desde o mês de julho de 2011, DETERMINANDO que a autoridade impetrada tome providência no sentido de incluir novamente a impetrante SUZAMAR FEITOSA, na folha de pagamento do município de BURITIRANA/MA, no cargo de agente comunitário de saúde com o respectivo salário, sob pena de multa cominatória de R$ 3.000,00 (três mil reais) por mês de abstenção de pagamento de salários, o fazendo com fundamento no artigo 7º, inciso III, da Lei nº. 12016/2009.
Notifique-se a autoridade dita coatora, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, para no prazo de 10 (dez) dias apresentar as informações que entender pertinentes.
Cientifique-se a Procuradoria do Município de Buritirana/MA e na sua ausência o prefeito municipal, enviando-lhe cópia da inicial sem os documentos, para que, querendo, ingresse no feito.(art. 7º, II da Lei nº 12016/2009).
Intimem-se.
Ciência ao Ministério Público.

Senador La Roque/MA, 22 de novembro de 2011.



Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular de Amarante do Maranhão,
Respondendo por Senador La Roque




[1] In Direito Constitucional, Alexandre de Morais, 12ª. Edição, Editora Atlas, atualizada com a Emenda 38/02, pág. 63.