sábado, 29 de outubro de 2011

QUEM DEFENDE OS JUÍZES?

Quem defende os juízes?


Por Flávia Gonzalez Leite – Procuradora de Contas no Maranhão
Não é incomum vermos hoje alguns juízes acanhados, inertes frente a toda ordem de obstáculos que encontram no exercício da função judicante. Pressões políticas, institucionais, sociais ou familiares, receio de não progredir na carreira, ou ainda fatores de ordem pessoal, naturais a qualquer ser humano, propiciam certa acomodação e atuação burocrática e mecânica, no intuito apenas de “livrar-se” dos processos submetidos à sua apreciação.
Mas há também os destemidos, e estes constituem maioria. Há os que nutrem absoluto amor à profissão e pautam seu ofício pelos valores da imparcialidade, ética, boa fé e justiça. Não sucumbem às pressões, não atendem a pedidos externos ao processo, procuram aplicar a lei e a Constituição sempre,  guiados por sua consciência. Para estes, o que vale e o que dignifica seu trabalho é conferir a prestação jurisdicional da forma mais justa, célere e imparcial possível, doa a quem doer. Não se amedrontam diante de casos e questões complexas, ou que envolvam grandes somas de dinheiro. Não se acovardam diante do poderio econômico ou social de determinada parte, tampouco são tendenciosos a proteger a parte menos favorecida quando esta não tem razão.
Exatamente por isso, tornam-se alvos fáceis de comentários inescrupulosos e levianos, divulgados em veículos de comunicação de 2ª classe, para os quais o que vale é o sensacionalismo da matéria, e não a verdade dos fatos.
Manifestar inconformismo com o conteúdo de determinada decisão judicial é natural em uma sociedade democrática. Não podemos admitir, entretanto, em uma sociedade civilizada, ataques de cunho pessoal a magistrados em razão do exercício de suas funções judicantes.
Não é de hoje que a magistratura, última fronteira garantista, composta por profissionais que exercem uma das mais nobres funções no Estado Democrático de Direito, tem sido alvo da imprensa da desinformação, se é que esta pode receber a alcunha de imprensa.
E qual a melhor resposta a essa profusão de mentiras? O trabalho. Continuar trabalhando incansavelmente, não se deixar abater ou amedrontar, pois mais cedo ou mais tarde os frutos desse trabalho repercutirão de modo a refutar, insofismavelmente, as inverdades propaladas.
É lógico que quem assume tão importante e nobre missão de conferir a prestação jurisdicional sabe das pressões que o esperam, dos desafios que terá de enfrentar.
Mas deverá fazê-lo sozinho? Não seria melhor contar com o apoio institucional de sua classe, representado por sua Associação, diante da constatação de que a acusação injusta a um magistrado não apenas o atinge, mas também a todos os outros, futuras vítimas em potencial?
Quem deve defender o magistrado de ataques irresponsáveis à sua pessoa ou ao seu trabalho? Não seria papel da Associação dos magistrados lutar pela total independência dos juízes em seus julgamentos e defendê-los nos momentos de dificuldades, principalmente se forem atacados pelo livre exercício de suas funções? Fica o questionamento, diante do silêncio eloquente que ora evidenciamos, sem nunca descurar da clássica parêmia, de autoria desconhecida, segundo a qual “a condenação do silêncio é mais eficiente que as acusações ruidosas”.

sábado, 22 de outubro de 2011

MODELO. SENTENÇA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO

Processo no 855/2009
Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa e Ressarcimento ao Erário
Autor: Município de Amarante do Maranhão
Réu: Miguel Marconi Duailibe Gomes

SENTENÇA

Trata-se de AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E RESSARCIMENTO AO ERÁRIO, promovida pelo MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO, em desfavor de MIGUEL MARCONI DUAILIBE GOMES, devidamente qualificada nos autos.
Aduz o autor que o réu, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, celebrou um convênio com o Governo do Estado do Maranhão, através da Secretaria de Educação, no valor de R$20.000,00, objetivando assegurar aos estudantes do Ensino Médio da rede pública estadual transporte escolar. Informa que referido convênio teve vigência por 07 (sete) meses, iniciando-se em 21.07.2006, com prazo de 60 dias para apresentação de contas.
Afirma que a requerida jamais prestou contas dos recursos recebidos, razão pela qual o Município requerente, agora sob nova administração, encontra-se inadimplente e, consequentemente, impedido de celebrar qualquer outro convênio com os demais entes federativos.
Com base nisso, pleiteia a condenação da requerida nas penalidades previstas no artigo 12, I, II e III da Lei 8.429/92.
Juntou os documentos de fls. 09/17.
Devidamente notificada (fl.21-v), o requerido apresentou defesa preliminar às fls. 24-49.
Às fls. 51-56, este juízo afastou as preliminares de nulidade do processo administrativo por violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, inépcia da inicial, ausência de interesse de agir, para rejeitar a manifestação prévia e em seguida receber a petição inicial, determinando a citação do réu.
O réu foi citado às fls. 58-v, tendo apresentado contestação às fls. 61-76, oportunidade em que sustentou que a pretensão de ressarcimento é incabível uma vez que caso os recursos tenham sido empregados em desvio de finalidade, não há obrigação de ressarcimento, pois a verba reverteu-se em favor da coletividade e não em favor do demandado de forma que falece interesse de agir ao requerente quanto ao pleito de ressarcimento; que os recursos foram empregados para o fim a que se destinaram e que as foram prestadas ao Tribunal de Contas do Estado; que não estão presentes os requisitos para configuração de ato de improbidade administrativa uma vez que a ação deve ser dolosa e deve causar dano ao patrimônio público; que inexiste inadimplência ou irregularidade na prestação de contas, pois não há prova do dano ao patrimônio público; que a ação tem por objetivo a perseguição política do requerido; que não há infração ao art. 11, VI da Lei nº 8429/92, uma vez que as contas foram devidamente prestadas; que é incabível o pleito de suspensão dos direitos políticos pois não guarda proporção com eventual ato imputável ao réu; que é incabível o pedido de aplicação de multa por inexistir dano; que é incabível o pedido de aplicação da sanção de proibição de contratação com o Poder Público ou de receber benefícios ou  incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos uma vez que inexiste ato ímprobo imputável ao requerido; que não deve ser deferido o pleito de bloqueio dos bens do requerido; finaliza requerendo o acolhimento das preliminares e a improcedência da ação.
Instado a se manifestar, o representante do Ministério Público Estadual pugnou pela procedência da inicial, com a consequente condenação do requerido nos termos da Lei nº. 8.429/92.
É o relatório. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

Entendo que a presente lide está pronta para julgamento, pois ainda que a questão de mérito seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova em audiência estando o processo maduro para julgamento a teor do que dispõe o art. 330, I do CPC.

Aliás, a própria jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que, casos como esses dos  autos, devem ser decididos de plano pelo magistrado, sem uma dilação probatória. É o que se vê da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder.” (STJ – Resp 2.832. RJ. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo).


MÉRITO

DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE VIOLOU PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Primeiramente, impende ressaltar que a improbidade administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa de nosso país e um dos aspectos negativos da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle social. A expressão designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da administração pública de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana.
O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, falta de probidade.
A Lei Federal nº 8.429/92 disciplina a matéria em questão, estabelecendo que configura improbidade administrativa o ato praticado por agente público que importe (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92).
Ressalte-se que o referido diploma legal abrange todas as pessoas nomeadas como agentes públicos, quer integrantes da administração direta, indireta e fundacional, ainda que no exercício da função em caráter transitório ou sem remuneração.
O douto José Afonso da Silva assim descreve:
14. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e corresponde vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). O grave desvio de conduta do agente público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade[1].

Como se vê, o renomado constitucionalista destaca a importância do princípio constitucional previsto no art. 37 da Carta Magna na determinação do que seja imoralidade administrativa, lembrando que não basta apenas a ilegalidade para que reste configurada.
Já Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que, para que um ato possa acarretar a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa, são necessários os seguintes elementos:
a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429;

b)sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º);

c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contrato os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três;

d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.[2]

Ao discorrer sobre o elemento volitivo, anota, ainda, a referida autora:
O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins.[3]

A doutrina direciona-se, portanto, sobre a necessidade de se extrair da conduta um elemento volitivo, rechaçando-se a possibilidade de responsabilidade civil objetiva, decorrente, pura e simplesmente, da infringência à norma jurídica. Em igual sentido, posicionou-se a jurisprudência, a exemplo das ementas abaixo transcritas:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11 da Lei de Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico. Consequentemente, afasta-se a responsabilidade objetiva dos administradores, não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a  Administração Pública. Precedentes. 2. Embargos de divergência não providos. (STJ – Primeira Seção. EREsp 917437/MG – Embargos de Divergência em Recurso Especial 2008/0236837-6. Relator: Min. Castro Meira. DJe 22/10/2010).


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10) PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO (STJ - Primeira Seção. EREsp 479812/SP Embargos de Divergência em Recurso Especial 2007/0294026-8 – Relator: Min. Teori Albino Zavascki. DJE 27/09/2010).

De outro viés, anoto ainda que a Administração Pública é informada por vários princípios constitucionais, entre os quais se destaca o da legalidade administrativa, o que implica afirmar que toda ação do agente público deve estar expressamente prevista em lei.
Compulsando os autos, extraio que o requerido MIGUEL MARCONI DUAILIBE GOMES, na condição de prefeito do município de Amarante do Maranhão, celebrou, na data de 21 de junho de 2006, convênio com o Estado do Maranhão, através da Secretaria Estadual de Educação, cujo objeto era assegurar o transporte escolar para 206 (duzentos e seis) alunos matriculados no ensino médio da Rede Pública Estadual de Ensino, residentes na Zona Rural do município, conforme instrumento contratual colacionado às fls.12/14 e seus três aditivos de fls. 15-17.
Examinando o referido instrumento do convênio, verifico que MIGUEL MARCONI DUAILIBE BARROS obrigou-se, mediante o recebimento do importe de R$20.600,00 (vinte mil e seiscentos reais), a assegurar o transporte escolar para 206 (duzentos e seis) alunos matriculados no ensino médio da Rede Pública Estadual de Ensino, residentes na Zona Rural do município. A vigência do convênio era da data da assinatura (21.06.2006) pelo prazo de 07 (sete) meses, tendo a convenente o prazo de 60 dias, após o término da vigência, para prestação de contas dos recursos recebidos da concedente.
Portanto, diante da inércia do demandado em cumprir com o seu dever constitucional de prestação de contas enquanto destinatários de recursos públicos vinculados a finalidade específica, resta evidenciada a vontade livre e consciente do requerido em não fazê-lo, fato que configura o dolo enquanto elemento subjetivo da conduta ímproba que lhe é imputada.
No caso dos autos, dos expedientes de fls.09, extrai-se que o ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração púbica encontra-se devidamente configurado, uma vez que o requerido, na condição de prefeito municipal de Amarante do Maranhão, deixou de prestar contas referentes ao convênio firmado com a Secretaria de Educação do Estado, no prazo e nas condições estabelecidos no item 2.8 do instrumento do referido convênio (fls. 12-14).
Neste particular, insta pontuar que a Constituição Federal, em seu art.70, fixa o dever genérico de prestação de contas a todo aquele que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores de natureza pública.
Outrossim, o art. 11 da Lei nº. 8.429/92 estabelece que constitui ato de improbidade administrativa deixar de prestar contas no prazo e condições fixados em lei. Vejamos:
Art. 11- Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
VI- Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.

Frise-se que o ato de improbidade administrativa em questão se exaure na atuação omissiva do gestor público em deixar de prestar contas no prazo e na forma disciplinados em lei, apresentando-se como ação de natureza formal, a qual se integraliza a despeito de qualquer resultado futuro.
Nesse sentido, as seguintes decisões:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92, ART. 11, VI. ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESNECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. - Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública são condutas ímprobas previstas no art. 11 da Lei 8.429/92 e independem de demonstração de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito. II - Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo constitui ato violador dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e de lealdade do servidor, que lesam a moralidade administrativa, enquadrando-se na hipótese de improbidade tipificada no inc. VI do art. 11 da Lei 8.429/92. III - Como não houve comprovação de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito, o quantum da multa civil deve ser reduzido. IV - Apelo provido em parte apenas para reduzir a multa civil. (TRF1 – Terceira Turma. AC 20051 BA 2003.33.00.020051-9. Relator: Des. Federal Cândido Ribeiro. Julgamento: 03/11/2009)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. REQUISITOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 10.628/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DE CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL, NO EXERCÍCIO DO CARGO. NÃO CABIMENTO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE DIVULGAÇÃO DAS CONTAS NA CÂMARA MUNICIPAL. ARTS. 48 E 49 DA LEI COMPLEMENTAR N.º 101/2000. ATOS DE IMPROBIDADE. ART. 10, CAPUT E ART. 11, II, IV E VI DA LEI N.º 8.429/92. ENQUADRAMENTO. INICIAL. RECEBIMENTO. – (...) III - o atraso no pagamento do funcionalismo público municipal, bem como a ausência total de divulgação da disponibilização das contas perante a Câmara Municipal, são condutas atentatórias aos princípios da administração pública, suficientes para o enquadramento nos arts. 10 e 11, II, IV e VI, da Lei n.º 8.429/92, não exigindo a produção de resultado para restar evidenciada a prática de ato de improbidade. Ação que deve ser recebida para o fato ser devidamente apurado na instrução processual; - ação de improbidade administrativa recebida. (TJMA – Tribunal Pleno. Ação de Improbidade Administrativa 162162004 MA. Relator: Dês. Cleones Carvalho Cunha. Data de Julgamento: 09/12/2004)

Desta feita, após a análise acurada dos meios de provas coligidos aos autos, considero demonstrado, de forma indene de dúvida, que o requerido MIGUEL MARCONI DUAILIBE BARROS, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, praticou dolosamente ato de improbidade administrativa consubstanciado em violação a princípios constitucionais, encontrando sua conduta subsunção ao tipo previsto no no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992.

DAS PENALIDADES APLICÁVEIS À ESPÉCIE:

A Lei 8.429/92 impôs penalidades para aquelas pessoas que, na qualidade de agente público, pratiquem atos de improbidade administrativa.
Referidas penalidades estão previstas no artigo 12, I, II e III da LIA e são: (i) o ressarcimento do dano; (ii) multa civil; (iii) perda dos valores ilicitamente incorporados ao patrimônio do agente, (iv) perda da função pública; (v) proibição de contratar com o poder público e (vi) suspensão dos direitos políticos.
Assim sendo, verificada a conduta ímproba e desonesta de agente público na condução de interesses públicos, caberá ao Judiciário a aplicação das reprimendas designadas no citado artigo 12 da Lei 8.429/92.
Entrementes, não se pode desconhecer que as penalidades deverão ser aplicadas obedecendo a parâmetros de proporcionalidade entre a natureza do ato de improbidade e a extensão do dano causado à coletividade, sob pena de serem inquinadas de inconstitucionais.
Na hipótese em apreço, verifico que o prejuízo causado à coletividade se mostrou extremamente grave, uma vez que o requerido MIGUEL MARCONI DUAILIBE BARROS deixou de prestar contas dos valores recebidos em razão do convênio firmado com a Secretaria de Educação do Estado, no prazo e nas condições estabelecidos.
A conduta engendrada pelo réu redunda em desrespeito aos princípios da Administração Pública, entretanto, ganha dimensões ainda maiores quando se observa que o caso dos autos envolve o município de Amarante do Maranhão, localidade extremamente pobre e desassistida pelo Poder Público.
Diante de todos esses fatores, deverá o requerido MIGUEL MARCONI DUAILIBE BARROS receber censura deste juízo, ficando condenada nas sanções de pagamento de multa civil, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, nos patamares a seguir fixados. Deixo de condenar à perda da função pública, prejudicada pelo transcurso do prazo de seu mandato.
No que diz respeito à sanção de ressarcimento integral do dano, deve ser ressaltado que, para sua aplicação, nos termos do que preceitua o art. 21, I, segunda parte, da Lei de Improbidade Administrativa[4], é necessária a efetiva comprovação de dano ao patrimônio público.
Assim, não havendo nos autos provas contundentes da existência de prejuízos ao patrimônio público, tal reprimenda deve ser afastada. Nesse sentido, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGADA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HARMONIZAÇÃO ENTRE OS ARTS. 10 E 21 DA LEI N. 8.429/92. DIFERENCIAÇÃO ENTRE "PATRIMÔNIO PÚBLICO" E "ERÁRIO" (CONCEITO-MAIOR E CONCEITO-MENOR). ABRANGÊNCIA DE CONDUTAS QUE NÃO CONSUMAM A EFETIVA LESÃO A BENS JURÍDICOS TUTELADOS POR INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E/OU DO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DO ESPECTRO OBJETIVO DA LIA PARA PUNIR TAMBÉM A TENTATIVA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NOS CASOS EM QUE AS CONDUTAS NÃO SE REALIZAM POR MOTIVOS ALHEIOS AO AGENTE. AGENTES POLÍTICOS. COMPATIBILIDADE ENTRE REGIME ESPECIAL DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA E A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) 13. Em terceiro lugar, e aqui parece importantíssimo asseverá-lo, porque o art. 21, inc. I, da Lei n. 8.429/92, segundo o qual "[a] aplicação das sanções previstas nesta lei independe [...] da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento", tem como finalidade ampliar o espectro objetivo de incidência da Lei de Improbidade Administrativa para abarcar atos alegadamente ímprobos que, por algum motivo alheio à vontade dos agentes, não cheguem a consumar lesão aos bens jurídicos tutelados - o que, na esfera penal, equivaleria à punição pela tentativa. 14. Esta conclusão é intensificada pela redação mesma dos incisos do art. 12 da Lei n. 8.429/92, que condicionam apenas o ressarcimento integral do dano à ocorrência efetiva do prejuízo suportado pelo erário. 15. É por isso, inclusive, que esta Corte Superior vem manifestando-se pela natureza meramente reparatória do ressarcimento integral do dano, afastando-lhe, portanto, o caráter punitivo/sancionatório. (...)Precedentes. Rcl 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 4.3.2010. 19. Recurso especial não provido. (STJ – Segunda Turma. Resp. 1014161 SC 2007/0294702-6. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Data de Julgamento: 17/08/2010). (grifo nosso)



DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a presente ação e, em consequência, CONDENO MIGUEL MARCONI DUAILIBE BARROS por violação à norma capitulada no art. 11, VI da Lei 8.429/92, à luz das argumentações acima aduzidas.
Tendo em consideração a extensão do dano causado à coletividade, a gradação da improbidade praticada, sua repercussão no patrimônio do Município de Amarante do Maranhão, bem como as demais diretrizes normativas gravadas no artigo 12, inciso III e parágrafo único da Lei 8.429/1992, aplico ao demandado as seguintes penalidades:
I)              Suspensão dos direitos políticos pelo período de 03 (três) anos;
II)             Multa civil no valor correspondente a cinco vezes o valor da remuneração mensal percebida pelo requerido à época dos fatos, enquanto Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão;
III)            Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que seja por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo período de 03 (três) anos.
A multa civil deverá ser revertida em favor do Município de Amarante do Maranhão, nos termos do que preceitua o art. 18 da Lei nº. 8.429/92[5].
Intime-se o autor, através de seu representante legal.
Notifique-se o Ministério Público Estadual.
Oficie-se à Câmara Municipal de Amarante do Maranhão, através de sua Presidente, dando ciência da presente decisão para os fins de direito.
Condeno, ainda, o réu em custas e despesas processuais e honorários advocatícios os quais fixo em R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais), nos termos do art. 20, §4º do CPC.
Transitada em julgado esta sentença, expeçam-se as comunicações de ordem, inclusive ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE/MA), bem como ao cartório judicial desta Zona Eleitoral, para fins da suspensão dos direitos políticos ora determinada.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Amarante do Maranhão, 20 de outubro de 2011.



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da Comarca de Amarante do Maranhão



[1] DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.348.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 813.
[3] Idem. p.823.
[4] Art. 21, LIA - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento.
[5] PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PENA DE MULTA. DESTINAÇÃO. ENTE PREJUDICADO. ARTIGOS 12 E 18 DA LEI 8.429/92. 1. A multa fixada na sentença condenatória por ato de improbidade deve ser revertida ao ente prejudicado pelo ato ímprobo. Exegese dos artigos 12 e 18 da Lei 8.429/92. 2. "O produto da multa civil deve ser destinado à pessoa jurídica que sofreu a lesão patrimonial. Não havendo adimplemento espontâneo por parte do ímprobo, deverá a pessoa interessada promover a liquidação da sentença e o cumprimento do julgado, na forma das novas regras processuais." (filho, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO. Manual de Direito Administrativo. Lúmen Júris Editora, 16ª edição, p.901). 3. Deve ser deferido pedido de intimação da pessoa jurídica lesada para promover a execução da multa, já que dela é o beneficiário direto, como destinatário. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF1 – Terceira Turma. Agravo de Instrumento: AG 12063 AM 0012063-43.2010.4.01.0000. Relator: Dês. Federal Carlos Olavo. Julgamento: 26/10/2010.

domingo, 9 de outubro de 2011

SENTENÇA DANOS MORAIS. MORTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO

PROC. 426/2007





SENTENÇA





1- RELATÓRIO.



ESPÓLIO DE ALFREDO MYHEH KRIKATI, representado por por JOSÉ RAFAEL BANDEIRA KRIKATI e OTÍLIA E’PRYCWYJ KRIKATI, através de advogado constituído, ajuizou a presente AÇÃO DE RESPONSABIIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, em face do MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO/MAI, pelos fatos e fundamentos expendidos a seguir.

Que os requerentes são genitores de ALFREDO MYHEH KRIKATI, nascido em 10.07.1991, tendo sido privados do convívio com o seu filho em 07.10.2005, por volta das 15:00h, quando o mesmo faleceu vitima de queimadura generalizada e insuficiência renal aguda, no Hospital Getúlio Vargas, Teresina/PI.

Que a morte prematura do adolescente decorreu de uma acidente ocorrido na MA 280, neste Município, quando em 12.09.2005, por volta das 21:00h, um grupo de índios retornava de uma festa na aldeia São José, em Montes Altos, a bordo de um caminhão, quando o referido veículo parou e houve uma explosão, tendo os ocupantes do veículo, inclusive o filho dos requerentes, pulado no leito da Rodovia que estava em chamas, tendo em vista que o Município de Amarante determinou o depósito de serragem de madeira nos buracos ao longo da via, como forma de melhorar o deficiente tráfego de carros pela referida MA 280. Como sabido, o referido material tem alto poder de combustão, que não tardou a ocorrer por obra de alguém desconhecido, o que resultou na queimadura de vários indígenas e na morte de dois adolescentes, um deles o filho dos requerentes. Pleiteiam indenização por danos morais e fixação de pensão por danos materiais.

Às fls. 41, foi deferido o pedido de pagamento de custas somente ao final e determinada a citação do Município de Amarante.

Às fls. 44-65, o município apresentou contestação oportunidade em que sustentou preliminar de incompetência absoluta em razão da matéria; ilegitimidade passiva; denunciou a lide a FUNAI e ESTADO DO MARANHÃO; no mérito, sustentou a responsabilidade da FUNAI e do Estado do Maranhão; a imperícia do motorista do caminhão; inexistência de nexo causal entre a omissão do Município e o dano; inexistência de culpa que deveria restar demonstrada nos atos omissivos da administração; que não há fato lesivo imputável ao Município de Amarante, uma vez que o fogo foi causado por terceiro; que inexiste nexo causal; que o fato ocorreu por culpa de terceiro ou da vítima; que o quantum da indenização deve ser fixado de maneira razoável; que não há provas de danos materiais; finaliza requerendo o acolhimento das preliminares e a improcedência da demanda ou a fixação de danos morais em 30 salários mínimos.

Às fls. 74-75, os autores apresentaram réplica, oportunidade em que reiteração os termos da inicial.

Às fls. 76, determinou-se a realização de audiência preliminar.

Às 81-85, em audiência não houve acordo, tendo este juízo saneado o feito, afastando as preliminares e corrigindo o pólo ativo da demanda passando a figurar como autores, por direito próprio, os genitores do menor ALFREDO MYHEH KRIKATI, os quais até então, erroneamente, estavam representando o seu espólio.

Às fls. 89 foram fixados os pontos controvertidos e deferidas as provas requeridas em audiência.

Às fls. 96-99, foi realizada audiência de instrução, oportunidade em que tomou-se por termo o depoimento do preposto do réu, depoimento do Secretário Adjunto de estradas e Rodagens do Município, depoimento de um vizinho do local, ambos arrolados pelo requerido.

Às fls. 103-105, houve audiência em continuação ocasião em que foram ouvidas duas testemunhas dos requerentes.

Os autores não apresentaram alegações finais.

Às fls. 106-109, o município de Amarante apresentou alegações finais em forma de memoriais.



Vieram os autos conclusos para sentença.



Eis o breve relato dos fatos. Passo a decidir.



2 - DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.



2.1. DAS PRELIMINARES

Todas as preliminares já foram analisadas e afastadas no despacho saneador de fls.81/85.



2.2. MÉRITO

O direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.



Reza o art. 927 do Código Civil:



"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".



Definem os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:

"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (grifo nosso).



Por conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral.



O dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:



"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (grifo nosso).





RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU TEORIA DO RISCO



A regra geral é a responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa legislação, com finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em determinados casos a responsabilidade objetiva. É o caso da responsabilidade civil do Estado, conforme previsão do art. 37, §6º da CF e art. 43 do CC.



                                      Eis a redação dos dispositivos citados:



“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6o As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causaram a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”



“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”



A responsabilidade civil objetiva, portanto, elimina de seu conceito o elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.



PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL



                                      Para a configuração da responsabilidade civil do Estado, necessário se faz a demonstração da presença dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissão, o evento danoso e nexo de causalidade. Deve ainda inexistir qualquer causa excludente da responsabilidade civil.



CONDUTA



A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter como elemento essencial uma conduta.

Maria Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".

Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.



No presente caso, restou devidamente demonstrada a conduta danosa do Município na medida em que conforme o documentos de fls. 33, o Município de Amarante reconhece, através de seu prefeito, que “ foi colocado serragem na localidade do acidente a aproximadamente uns 60 (sessenta) dias antes do ocorrido, buscando evitar situação de poeira e ‘buracos” existentes na estrada, pois a região não tem piçarra de qualidade”.

É evidente que a conduta do município foi uma causa determinante do acidente que vitimou o adolescente, uma vez que colaborou diretamente para as queimaduras sofridas pela vítima, fato que não teria ocorrido caso tivesse usado o material adequado para pavimentação de ruas, conforme informa o próprio Secretário Municipal Adjunto de Obras:

“(...) que não há nenhuma orientação da secretaria estadual para a manutenção de estradas estaduais colocando pó de serragem; que a recuperação de estradas não pavimentadas se faz através de materiais laterídicos, conhecido como “piçarra”; que também tem conhecimento que para amenizar a poeira pode-se colocar pó de brita, mas nunca ouviu falar em se colocar pó de serragem(...) que o depoente tem certeza que através da Secretaria Estadual não houve qualquer autorização para colocar pó de serragem, pois trata-se de material inflamável, pois em contato com a gasolina pode pegar fogo (...) (depoimento do Secretário RAIMUNDO ARAÚJO, fls. 99)





EVENTO DANOSO



O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano autorizado pelo direito.

O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade (ex.: honra, imagem etc.).

O dano resta devidamente configurado através do atestado de óbito de fls. 09, onde consta como causa mortis QUEIMADURA GENERALIZADA e INSUFICIÊNCIA RENAL.



NEXO DE CAUSALIDADE



O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.

Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942 do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram para o resultado danoso.

Porém, diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas teorias a respeito:

a) TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON: estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.

b) TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.

A análise das provas colacionadas aos autos nos leva à conclusão de que de fato o evento morte decorreu diretamente da combustão do material inadequadamente utilizado para a pavimentação da via pública.



INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO



A responsabilidade civil do Estado será elidida quando presentes determinadas situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, quais sejam a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

A força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio, uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o Estado se torna incapacitado diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que, por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.

Já na hipótese de caso fortuito, o dano decorre de ato humano, gerador de resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por ser um acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.

O estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade. Ocorre quando há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder discricionário.

A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa excludente da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de causalidade, visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não concorreu.

No caso dos autos, em que pese o Município ter tentado atribuir a conduta danosa ao motorista do caminhão alegando imperícia do mesmo, restou evidenciado pelas provas dos autos que as peculiaridades do caso concreto, tais como a forma peculiar de combustão da serragem de madeira, o rompimento da mangueira de ar e a possibilidade de atropelar os índios que pulavam do caminhão em função do fogo, que determinaram a parada do caminhão:



“que em um final de semana anterior ao acidente, o depoente passou pela estrada em que ocorreu o fato; que observou dois focos de fogo, como se fosse duas fogueiras como se fosse fumaça e não labaredas; que não tem conhecimento como queima o pó de serragem ao vislumbrar fumaça não sabe que trata-se de fogo, pois a labareda fica escondida (...) (depoimento da testemunha FELIX VIANA, fls. 100)



“(...) que o depoente tem conhecimento, que para quem não conhece a forma que pega fogo o pó de serragem, pois só sai uma fumaça, a labareda não sobe, dando a impressão para quem não conhece que não está pegando fogo (...)(depoimento de Juvenal Muniz da Silva Veloso, fls. 105)



“(...) que não era perceptível qualquer labareda de fogo quando o depoente conduzia o veículo(..) quando de repente começaram a bater na cabine do caminhãofalando ‘fogo,fogo’, quando ouviu uma explosão, e os passageiros pulado por cima da cabine do caminhão, quando o depoente tinha que frear para não passar por cima dos passageiros, momento em que a mangueira de ar quebrou do caminhão, e o mesmo travou(...) (depoimento de DENIS PEP’CRE KRIKATI, fls. 106)



Assim, pelos depoimentos colacionados, não há provas de qualquer imperícia por parte do motorista, fato que caberia ao município demonstrar e não o fez, nos termos do art. 333, II do CPC.



DOS DANOS MATERIAIS



                                      Quanto aos danos materiais pleiteados, consistentes no arbitramento de pensão mensal aos requerentes, em função da presunção de contribuição que o filho menor daria à família, também restaram demonstrados a conduta danosa da administração consistente em pavimentar via com material inflamável, o dano consistente nos lucros cessantes considerando que o filho do casal veio a falecer em decorrência de queimaduras, o que impossibilitou os autores de receber auxilio material por parte do mesmo e o nexo causal na medida em que o lucro cessante decorreu da conduta do Município.

                                      Segundo a jurisprudência do STJ, em casos como o dos autos, a pensão tem sido estipulada no percentual de 2/3 do salário mínimo vigente até os vinte e cinco anos, quando o valor será reduzido para 1/3 do salário mínimo até a data em que o menor completasse 65 (sessenta e cinco) anos ou a morte de ambos os autores, o que ocorrer primeiro:

STJ-225413) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

1. Ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada em desfavor de Município, com fulcro no artigo 37, § 6º da CF, em face do atropelamento de filho, que ocasionou sua morte, por negligência de funcionário público causador do acidente.

2. É inadmissível o recurso especial manejado pela alínea "c" do permissivo constitucional quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ).

3. Inequívoca a responsabilidade estatal, consoante a legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) e à luz do art. 37, § 6º da CF/1988, bem como escorreita a imputação dos danos morais, nos termos assentados pela Corte de origem, verbis: "(...) Da análise dos autos, constata-se que o fato gerador preponderante para queda da vítima de sua bicicleta e posterior atropelamento que lhe causou a morte foi a caixa de papelão arremessada pelo funcionário do segundo apelante em direção à caçamba do caminhão de lixo, que acertou a vítima, fazendo com que esta caísse debaixo do caminhão e fosse atropelada. (...) Tal fato se constata pela prova testemunhal produzida, bem como pelas fotografias tiradas no local logo após o acidente, as quais, diga-se de passagem, não deixam dúvidas, pois nelas se verifica a caixa de papelão em cima da criança, f. 32/38, demonstrando claramente a imprudência e falta de preparo do funcionário do segundo apelante em arremessar o lixo quando o caminhão passava ao lado de uma criança andando de bicicleta, acreditando que a caixa passaria por cima desta sem acertá-la, o que infelizmente não ocorreu. A conduta do funcionário do apelante, se levarmos para o campo penal, se enquadra perfeitamente dentro do conceito de culpa consciente, que é aquela onde o agente prevê a possibilidade de produção do resultado, embora não a aceite, por acreditar que sua habilidade pessoal não permitirá a ocorrência deste. (...)"

4. A pensão mensal a ser paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à razão de 2/3 do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir daí, à base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade. Precedentes: REsp 674586/SC Relator Ministro Luiz Fux, DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ, DJ 06.08.2007; REsp 703.878/SP, DJ 12.09.2005.

5. A análise acerca da culpabilidade do menor no acidente e do critério adotado pela instância a quo para a fixação do quantum indenizatório resta obstada pelo Verbete Sumular nº 7/STJ.

6. Recurso especial não conhecido.

(Recurso Especial nº 970673/MG (2007/0158956-2), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j. 09.09.2008, unânime, DJe 01.10.2008).







TJMA-012490) PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE FALECIMENTO DE FILHA MENOR, ESTUDANTE DA REDE PÚBLICA ESTADUAL, DURANTE A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRACLASSE. AFOGAMENTO. DEVER DE VIGILÂNCIA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. ENTENDIMENTO DO STF. PENSÃO MENSAL. OBSERVÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal, para que a Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela vítima, sendo possível o afastamento da responsabilidade estatal apenas na hipótese de comprovação da ocorrência de excludentes do nexo - culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.

II - O Supremo Tribunal Federal consagrou diretriz decisória no sentido de que a responsabilidade advinda do dever de vigilância ou guarda pode ser objetivamente imputado ao aparato estatal (RE 109.615/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. em 28.05.96, DJ de 02.08.96, p. 25.785).

III - No caso concreto, restou comprovada a responsabilidade objetiva da Administração Pública, uma vez que a morte por afogamento da filha da apelada, aluna da rede pública de ensino, decorreu da inobservância do dever constitucional de guarda e vigilância do apelante, durante atividade extraclasse realizada pela vítima, sob coordenação e orientação de servidores públicos lotados na unidade de ensino onde estudava.

IV - O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família, em decorrência da morte de filho menor, proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima, no valor de dois terços do salário mínimo, desde os quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, até a data em que a vítima atingiria a idade de 65 anos. Entende o STJ, ainda, que a pensão deve ser reduzida para um terço após a data em que o filho completaria 25 anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo (REsp 976.059/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 04.06.09, DJe de 23.06.09; REsp 1.101.123/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 02.04.09, DJe de 27.04.09).

V - Recurso parcialmente provido.

(Apelação Cível nº 84.362/2009 (13.982/2009), 2ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Marcelo Carvalho Silva. j. 25.08.2009, unânime, DJe 02.09.2009).



Portanto, devidamente demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, ausente qualquer causa de rompimento do nexo causal, o caso é de procedência da ação.



3- DO DISPOSITIVO.



Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda para condenar o Município de Amarante do Maranhão ao pagamento de indenização por DANOS MATERIAIS, consistente em lucros cessantes, aos autores JOSÉ RAFAEL BANDEIRA KRIKATI e OTÍLIA E’PRYCWYJ KRIKATI, já qualificados, por rata, no valor de 2/3 do salário mínimo vigente a contar da data da evento danoso até a data em que o menor completasse 25 (vinte e cinco) anos, quando o valor da pensão será reduzido para 1/3 do salário mínimo até o dia em que o menor completasse 65 (sessenta e cinco) anos, ou o falecimento de ambos os autores, devendo o município incluir os autores em folha de pagamento, a teor do que dispõe o art. 475-Q, §2º do CPC.

Condeno ainda o município no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de DANOS MORAIS pela morte do menor ALFREDO MYHEH KRIKATI, a ser pago aos autores JOSÉ RAFAEL BANDEIRA KRIKATI e OTÍLIA E’PRYCWYJ KRIKATI, já qualificados, cabendo R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a cada um. Sobre o valor da condenação incidirá juros moratórios no percentual de 1% a.m. a contar da data do evento danoso (12.09.2005) (SUMULA Nº 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da data da sentença.(SÚMULA Nº 362 do STJ).

Sem custas e sem despesas, uma vez que o réu é a Fazenda Pública.

Condeno, ainda, o município ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação a teor do que dispõe o art. 20, §3º do CPC.

P. R. I.



Amarante do Maranhão, 18 de janeiro de 2010.

 




Glender Malheiros Guimarães


Juiz de Direito Titular